Num cenário digno de um anúncio da National Geographic, uma Harley-Davidson rompeu o silêncio à beira do Lago de Zurique, mas desta vez não com o habitual cheiro a gasolina. A 4 de maio, o professor Aldo Steinfeld — uma espécie de alquimista moderno — pilotou a primeira moto movida exclusivamente a “gasolina solar”, num feito que mistura rock’n’roll com engenharia de ponta.

O que parece ficção científica é, na verdade, o resultado de anos de investigação liderada pela empresa Synhelion, co-fundada por Steinfeld e o engenheiro Philipp Furler, ambos formados no prestigiado ETH de Zurique. O segredo? Uma fábrica em Julich, Alemanha, onde a luz solar é concentrada num reator de torre com mais de 20 metros, através de espelhos gigantes. Lá dentro, biomassa e água passam por um processo alquímico alimentado pelo sol, que gera syngas (mistura de monóxido de carbono e hidrogénio). Este gás é depois convertido em combustíveis líquidos, como gasolina, gasóleo ou até querosene para aviação. Ou, como Furler o descreveu com humor, “provavelmente o querosene mais caro da história”. Mas, convenhamos, a primeira gota de combustível solar tem sempre um sabor especial.

A protagonista motorizada desta epopeia solar foi uma Harley-Davidson sem qualquer modificação, provando que este combustível sintético funciona em motores convencionais. Nada de baterias, nada de cabos — só sol, ciência e aquele barulho inconfundível. Segundo Furler, a ideia não era apenas provar que funciona (isso já sabiam), mas sim criar um momento simbólico: “queríamos ver o Aldo a disfrutar da moto movida por uma tecnologia que ele próprio ajudou a criar”. Ciência com emoção e até uma pitada de estilo.

Uma gota no depósito, um salto para o planeta

Os combustíveis solares da Synhelion são praticamente neutros em carbono. Como o CO₂ emitido na combustão é o mesmo que foi usado na sua produção, o ciclo fecha-se sem dívida ambiental. Estudos indicam uma redução de emissões entre 80% e 99% face aos combustíveis fósseis. E isto é só o começo. A meta da Synhelion é produzir 110 mil toneladas de combustível por ano até 2030, chegando a 1 milhão em 2033 — o suficiente para abastecer metade da aviação europeia com combustível limpo até 2040. Um plano ambicioso, mas como dizem por lá: quem tem sol, tem tudo. Este feito marca um “antes e depois” na história dos combustíveis. O engenheiro Jonathan Scheffe, da Universidade da Florida, disse que a demonstração foi “um marco significativo” e que poderá descarbonizar desde trotinetes urbanas até navios de carga.

A viagem do professor Steinfeld não foi só uma volta ao lago. Foi um rugido do futuro — com o sol no depósito e um sorriso no capacete.