À falta de melhor descrição, o canto foi esquisito. O pé esquerdo de Fábio Vieira não aplicou a dosagem certa entre força e jeito, a bola descolou para um voo estranho, ainda para mais vindo da perícia do canhoto em questão, nem em dois metros desafiou a gravidade e a trajetória logo a fez ressaltar na relva, quase na linha da pequena área. Os jogadores do Estrela da Amadora, atónitos ou distraídos em demasia com os adversários que marcavam, não atacaram a bola, deixaram-na pingar enquanto os jogadores do FC Porto a deixaram passar e um deles, Nico González, incrédulo pelo atabalhoamento sobrar até ao segundo poste, encostou um dócil remate.
Cedo (aos 10’) e a reboque de literais três pancadas, o golo poderia ter um dos efeitos que ocasionalmente desperta em jogos de futebol, porventura acordando uma equipa da letargia coletiva para novas inspirações, quiçá fornecendo a faísca para atiçar a combustão de ideias, talvez dando aos dragões uma forma de representarem perigo para a baliza adversário quando tinham a bola com calma, em ataque posicional e o Estrela organizado, munido dos seus onze homens em defesa da área. Mas o golo aconteceu, apenas isso, um episódio a registar.
Não se notou um efeito visível de a bola ter entrada na baliza do cauteloso Estrela, com cinco jogadores alinhados na defesa, três ou quatro a cobrirem espaços e o avançado por diante, um bloco coeso quanto baste para um FC Porto mínguas flagrantes, incapaz como em tantos jogos recentes de fazer peças adversárias mexerem se não der para as atacarem rápido e a carregarem no pedal. Porque houve Dramé, aos 40’, a dar uso ao seu comprimento para tirar o pão do pé de Samu, prestes a rematar na área após ser lançado por Pepê, e de ameaçador nada mais além dessa jogada feita em transição ofensiva, apressada como mais convém aos jeitos e trejeitos dos melhores jogadores que os dragões têm.
Sem um adversário que se incline para a frente, prolongue os seus ataques, faça os seus avançarem no campo e ouse afastar-se da sua área, custa horrores à equipa de Vítor Bruno ser mandona como o treinador quer. Ou, fintando refúgios numéricos, mais além do que os 65% de posse de bola estéril, sem causar danos, cheia de gente parada nas posições à espera que lhe chegue, ou as sete tentativas irrecordáveis, até ao intervalo, às quais soa a elogia identificar como remates. E o lance que largou a corrida de Samu surgiu quando o Estrela, deparando-se com a ferrugem e falta de ideias do FC Porto, se predispôs a mais do que procurar os apoios frontais de Rodrigo Pinho, sozinho lá na frente, e avançou o resto da equipa no campo.
Havia os toques pacientes de Nico com a bola, fingindo que vai dar para ir com ela, intuindo que irá correr para desviar a passar, também a acérrima reação às perdas de bola de um Namaso bom de bola, mas algo inócuo nas suas ações, talvez por isso transformado em médio, e ainda a revigorada concentração de Otávio, na defesa, a roubar, antecipar ou compensar, mas eram fogachos desgarrados, isolados na sua benfeitoria e sem terem um fio a ligá-los.
Teve a sua razão André Villas-Boas quando disse, ao “L’Équipe e sem densidade de maior, que os dragões com Sérgio Conceição eram “intensos, agressivos e diretos” para contrapor que o jogo atual com Vítor Bruno “é mais de posse, de controlo”. Sem os truísmos motivacionais do treinador, o presidente simplificou a comparação. A visita do Estrela ao Dragão, com o tempo, retirou-lhe alguma razão.
O dito FC Porto controlador sumiu, aos poucos, em sentido contrário ao atrevimento de quem veio da Amadora, que puxou Paulo Moreira para o jogo, encontrou as desmarcações curtas de Kikas e teve Léo Cordeiro a armar a perna direita para um ameaçador remate na área. À hora de jogo, os dragões eram um conglomerado de passes previsíveis, adivinháveis por quem estivesse a assistir. Pouco depois, Fábio Vieira lembrou que estava em cena: quem sabe revoltado com a inclinação da equipa para o lado oposto, aproveitou uma bola cortada para zona de ninguém, na área, e chapou um remate que Bruno Brígido defendeu espetacularmente.
Quando o crente Estrela, a sentir as intermitências dos anfitriões, já tinha a sua pressão bem subida, mordiscando as receções dos adversários a todo o campo, surgiu o segundo cartão amarelo para Danilo Pereira - o primeiro fora por ser assistido fora de campo e reentrar sem autorização -, cuja expulsou motivou também a de José Faria, o mesmo castigo aplicado aos protestos do treinador.
Com um jogador a mais em campo, o FC Porto não se iluminou com a dádiva das ideias. Havendo mais espaço livre, continuou a escassez da diferença, de tentar-se agora de uma maneira de depois de outra se esta não der, a secura de rasgos inventivos de qualquer coisa que surpreendesse quem joga contra, quem vê, quem tem de prosar acerca de uma partida. Em momentos até banais quando tinham a bola controlada, os dragões só tiveram, num canto, um laivo de entusiasmado vindo da cabeçada clara de Nehuen Pérez para golo, que sacou de Bruno Brígido a outra parada brutal que ainda tinha guardada.
Os últimos minutos foram de uma equipa não a sofrer, mas algo nervosa, indecisa entre o guardar a bola sem aparentar estabilidade para tal ou o atacar a baliza e aproveitar a vantagem no número de corpos em campo, como os assobios da bancada a empurravam para fazer. Apareceu o segundo golo (90'+3), obra de Gonçalo Ramos, desmanchado em emoção com a estreia a marcar que veio de uma jogada ilustrativa - recuperação de bola, adversário desequilibrado, espaços livres a monte, contra-ataque desengatado, vertigem nas ações e Rodrigo Mora a lançar a corrida do extremo.
O FC Porto recuperou o segundo lugar do campeonato, o proveito último e valioso é esse. Mas estes dragões não são “muito mandões”, Vítor Bruno quere-os dessa forma embora os tenha assim, pobres em variabilidade a atacar quando os espaços escasseiam, pouco capazes de ligar Pepê ou Namaso entre linhas, de terem jogadores dentro de um bloco adversário a fomentar combinações, nem formas de aproveitar a acutilância de Martim Fernandes na largura à direita e de como isso pode criar condições a Fábio Vieira para ser influente nas posses de bola. São muitas carências e o FC Porto, não tendo um jogo que lhe dê ataques rápidos, em vez mandão ainda vai sendo sensaborão.