Bruno Romão, jovem treinador de 40 anos, conta já com uma experiência invejável em vários contextos competitivos e com passagem por três Continentes (Europa, Ásia e África). Trabalhou em todos os escalões de formação a nível masculino e foi também treinador de futebol feminino e treinador adjunto, percurso que potenciou ainda mais as suas competências para a transição para treinador principal. É o analista do Bola na Rede da prestação das equipas portuguesas, Sporting e Benfica, na Champions League.

Estratégias de Sporting e Benfica

O Sporting escolheu começar com Franco Israel, Eduardo Quaresma, Ousmane Diomande, Matheus Reis, Geny Catamo, Morten Hjulmand, João Simões, Maxi Araújo, Geovany Quenda, Francisco Trincão e Viktor Gyokeres.

O Sporting teve a intenção de pressionar alto o pontapé de baliza e a construção com referências individuais em 4x4x2, encaixando na estrutura do adversário. Com o bloco médio e baixo, o posicionamento de Geny Catamo foi alternando uma estrutura em 4x4x2 e 5x3x2 pelo controlo da ameaça pelo seu lado. Os leões prepararam a equipa para construir em 4x3x3 a partir de trás, subindo Diomande no pontapé de baliza. Assim que a equipa conseguiu sair, procurou organizar os ataques posicionalmente em 3x2x4x1 para procurar ter soluções por dentro e por fora por trás da linha de dois médios adversária. Foi clara a preparação/intenção de alguma rotação entre Maxi Araújo e Quenda nas funções do lado esquerdo para aproveitar a fragilidade belga daquele lado.

O Club Brugge organizou-se defensivamente em espera, num bloco médio/baixo, em 4x4x2, com as linhas compactas a 15/20 metros, sendo que a linha defensiva mostrou princípios de fechar profundidade muito cedo (provavelmente para reagir à ameaça de Gyokeres). A intenção ofensiva foi de explorar espaços deixados pelo Sporting e tentar os contra-ataques. Percebeu-se uma intenção forte de reação à perda alta dos belgas, sobretudo das duas primeiras linhas.

O Benfica iniciou com o habitual sistema base 4x3x3 com Trubin, Bah, Tomás Araújo, Otamendi, Carreras, Florentino, Kokçu, Aursnes, Di Maria, Akturkoglu e Pavlidis. A equipa preparou o jogo defensivamente para pressionar alto em 4x1x3x2 e forçar o erro da construção/ligação do Bolonha com Aursnes e Pavlidis na frente. Com o bloco médio e baixo, a equipa organizou-se em 4x1x4x1 compacto (por vezes até em 6x4x1), com Aursnes a ser o jogador que saltou a levantar as linhas, desdobrando a equipa para pressionar com dois elementos. Este detalhe foi preparado no sentido de eliminar qualquer ameaça adversária e dar mais coberturas na defesa da sua área.

O Bolonha veio com a intenção de pressionar alto o Benfica, com marcações individuais fortes a procurar contacto, a convidar o Benfica a sair mais por Otamendi, isto devido à reconhecida qualidade de saída com bola de Tomás Araújo. Ofensivamente, os italianos demonstraram intenção de quebrar as linhas do Benfica com o cuidado de ter tempo de posse para poder controlar os ritmos, empurrar o Benfica para trás e aproveitar algumas dificuldades naturais de pressão jogadores como Di María, Akturkoglu e Kokçu, por não serem pontos fortes destes jogadores.

Rendimento

A onda de lesões que tem assolado o Sporting condiciona qualquer equipa num processo que se está a construir, com ausências de peso (Pote, Nuno Santos e Gonçalo Inácio, este último no aquecimento do encontro da Bélgica). Neste jogo, inclusive, Eduardo Quaresma foi substituído ainda na primeira parte e Franco Israel lesionou-se num sprint curto com a bola fora…

O Sporting marcou cedo, aos 3 minutos, numa boa jogada de ligação entre todos os setores, a quebrar as linhas com combinações sucessivas até à criação com finalização de Geny Catamo e ao remate de Maxi Araújo. O golo cedo trouxe alguma tranquilidade e confiança à equipa, até para reagir ao momento e à perda de Inácio, uma das referências da equipa.

Durante a primeira parte sentiu-se um Sporting a crescer relativamente aos últimos jogos. Alguma verticalização do jogo usando os espaços livres contra um adversário com alguma indefinição nas transições e que foi sujeito a arrastamentos em alguns momentos de organização defensiva baixa. No entanto, a equipa teve decisões precipitadas a sair quando havia espaço e chegou com poucos jogadores à área quando conseguiu quebrar as linhas em ataque rápido/contra-ataque, o que originou muitas perdas de bola (perda de controlo mais evidente na segunda parte). O momento que a equipa está a passar e a confiança faz com que os jogadores não se mostrem tanto para jogar. Nos segundos 45 minutos quase não houve ameaça à baliza adversária.

Interessantes as rotações ofensivas pela esquerda entre Quenda e Araújo, porque ambos estão confortáveis nas duas posições. Com a entrada de St. Juste e a lesão de Israel, a construção manteve-se em 4x3x3, mas projetando Geny, St. Juste como lateral, e Hjulmand a 6, com Quenda mais interior, como médio. Algumas rotações interiores na construção baixa com dificuldades de rigor de posicionamento interior deram alguma confiança à pressão adversária.

A gestão da bola ao longo do jogo foi algo irregular por alguma incapacidade dos jogadores se mostrarem como opção para jogar dentro e fora do centro do jogo (sobretudo centrais, guarda-redes e alas a ajustar posicionamentos em função do adversário direto). Esta leitura da pressão para fazer andar a bola e abrir espaços no bloco adversário poderia ter exposto as dificuldades defensivas dos belgas (golo marcado e jogada em organização aos 82 minutos, antes do 2-1, são bons exemplos).

Defensivamente a equipa conseguiu em períodos da primeira parte ser pressionante e ativa. No entanto, foi macia nos duelos (Club Brugge ganhou 20 tackles contra 6 do Sporting), revelou dificuldade de controlar a pressão por fora no lado esquerdo em ações de combinação ou na pressão a cruzamento. Em momentos de defesa da baliza em bloco baixo, os leões revelaram alguma fragilidade (passividade, até…) e na segunda ação dentro da área deu golo, aos 24 minutos (4 contra 6 sem que nenhum central saltasse no remate, nem os médios apertassem o espaço de cruzamento atrasado). A pressão dos três avançados nos diferentes posicionamentos do bloco foi irregular, deu pouca ajuda à pressão nos corredores laterais e sendo mais efetiva forçava o erro contra um adversário com dificuldades de construção/ligação, bem como ajudava a fazer crescer as linhas nos momentos de organização defensiva mais baixa.

Há um momento crítico aos 30 minutos, com excelente reação ao golo sofrido e com a equipa a conseguir um penálti anulado pelo VAR, com o contacto a acontecer dentro da área. O Sporting sofre o 1-2 aos 82 minutos, após uma bola parada que o adversário bate lenta no corpo do ponta de lança, que controla com Matheus Reis perto, mas sem contacto, não havendo ajuste a este duelo das coberturas e daí se desenvolve a combinação com um passe em profundidade para Casper Nielsen. Este duelo no ar com a equipa organizada aconteceu numa zona de três jogadores do Club Brugge contra seis do Sporting, numa fase em que estava a conseguir ter o controlo do jogo. Com tantas limitações e a passar uma fase difícil, parece-me que a equipa merecia mais do jogo (1,19 Xg contra 0.67 do Club Brugge).

A vitória era importante e o Benfica procurou-a ao longo dos 90 minutos. Teve dificuldades em assentar o seu jogo nos primeiros 40 minutos, desapertar as marcações adversárias bem como ter bola. No entanto, importa ressalvar que é um jogo de Champions, contra uma equipa duma liga com bastante mais rotação que a nossa. Pelo que fez na segunda parte e pelo que criou ao longo do jogo o Benfica mereceu a vitória, pela presença no último terço ao longo do jogo, com 15 remates contra 6 do adversário, 10 cantos contra 4 e valores interessantes numa métrica importante com 1,76 “Xg on target” contra 0,4 do Bolonha, o que mostra a importância do guarda-redes Lukasz Skorupski a manter a baliza italiana a zero.

Foi um jogo muito dividido na primeira parte, com o Benfica a ter dificuldades de criação de espaços pela qualidade da marcação individual do Bolonha. Os italianos têm um perfil defensivo muito físico, o que tornou difícil ao Benfica assentar o seu jogo ofensivo. Isto provocou muitos duelos e transições constantes, pelo que a retenção da bola, individual e coletivamente, tornou-se um desafio até aos 40 minutos e melhorou a partir deste momento, trazendo o controlo do jogo. Contra equipas que defendem assim, uma das formas de resolver este problema é procurar o terceiro homem e fazer contramovimentos para fugir da marcação. Outro dos aspetos importantes são as corridas dos jogadores da frente ou de um dos médios, à vez, para arrastar a linha defensiva do Bolonha na profundidade, criando espaços. Bom exemplo na primeira parte é a jogada que liberta Carreras para um lance de um contra um, na esquerda, com o lateral espanhol a cruzar para remate de Di Maria, aos 42 minutos.

Alguma pressa do Benfica (sobretudo na primeira parte) a jogar profundo, por ser forçado constantemente ao erro pelo Bolonha, o que originou algumas perdas de bola. Foi importante ao longo do jogo a melhoria no tempo de posse para abrir espaços e procurar opções fora do centro de jogo, eliminando as marcações individuais (jogada aos 45 minutos que libertou Carreras é outro bom exemplo). O controlo do jogo ofensivo do Bolonha na primeira parte forçou o Benfica a trabalhar defensivamente compacto, executando o seu plano e explorando os espaços para contra-ataque nas costas dos centrais da formação italiana por falta de controlo dos contra-ataques. Outro dos detalhes que tornou muito difícil a criação do Benfica foi o da recuperação defensiva rápida pelo perfil dos jogadores da linha defensiva do Bolonha, pelo que o “aparente” espaço disponível nas costas em determinados momentos por arrastamentos se fechou rapidamente. Contra estas equipas, quando o espaço abre nas costas, tem atrair-se na frente da última linha para fazer as marcações saltarem outra vez e, num segundo momento, aproveitar esses espaços com maior qualidade posicional.

Boa entrada do Benfica na segunda parte, com intenção defensiva, mais forte nos duelos, maior controlo dos espaços interiores, das segundas bolas, e maior critério de posse. Exemplo disso são as boas saídas aos 51 e 68 minutos, as quais chegam em boas condições de finalizar dentro da área e quase libertam duas vezes Aursnes na cara de Lukasz Skorupski. Ofensivamente a equipa corrigiu os posicionamentos ao intervalo, tendo sido mais capaz de esticar a última linha do Bolonha para abrir espaços para ligar e criar. Teve o controlo da segunda parte e o adversário não ameaçou a baliza de Trubin. Neste período houve uma melhoria evidente na disponibilidade dos centrais e laterais para jogar ajustando as linhas de passe, com melhor proximidade interior dos três médios mais um dos avançados a obrigar a corridas mais longas de pressão.

Aos 70 minutos, Beste e Amdouni entraram para os lugares Akturkoglu e Pavlidis, com o objetivo de manter a qualidade (os níveis de energia) nos momentos defensivo e ofensivo. O suíço teve impacto no jogo e conseguiu estar envolvido na criação de situações de finalização. Neste momento, o Bolonha reage às alterações táticas do Benfica com quatro substituições no sentido de manter os níveis de energia e agressividade.

A entrada de Arthur Cabral (80 minutos) vem procurar fazer chegar mais gente à área e coloca Amdouni como segundo avançado (a ligar e a procurar segundas bolas), dando liberdade a Aursnes para integrar (como vinha a fazer) a zona de finalização. O Benfica correu o risco de partir o jogo e isso acabou por acontecer porque Amdouni não conseguiu dar superioridades numéricas na zona da bola. Neste momento, foi clara a preocupação do Benfica de projetar-se, mas mantendo a equipa equilibrada, controlando as transições ofensivas do Bolonha com os dois centrais, Florentino e, frequentemente, Bah. O Benfica foi capaz de criar e chegar à área ao longo de todo o jogo. A equipa foi dominante na segunda parte a procurar a vitória até ao último segundo, criando o suficiente para ganhar.

Destaques

Alguma evolução comparativamente aos jogos anteriores, com muitas limitações na seleção da equipa e João Simões pela positiva num jogo difícil, com muitos contactos e transições, a mostrar personalidade, qualidade posicional e capacidade de decisão sob pressão. Os duelos, a recuperação defensiva dos avançados, a linguagem corporal de alguns jogadores, bem como demasiado foco no árbitro são aspetos a rever.

Individualmente, Otamendi, pela capacidade que teve de liderar (importante, por exemplo, nos duelos) e, noutro nível, Aursnes, que significou qualidade extra ofensiva e defensiva. Coletivamente, boa reação da equipa na segunda parte contra um adversário com um estilo de jogo difícil para o perfil de jogo e jogadores do Benfica.

Estamos a assistir a uma primeira parte da época densa em termos competitivos e na qual, por motivos diferentes (muitas lesões prolongadas no Sporting e alguns desequilíbrios do plantel do Benfica com Bruno Lage a não ter responsabilidade por não ter sido ele a formar o plantel), verificamos que os plantéis de ambas as equipas poderão precisar de alguns ajustes no sentido de ganharem mais soluções, permitindo maior rotatividade com o objetivo de manter a capacidade competitiva das equipas.