Talvez por ter uma visão mais global, sempre tive alguma aversão à ideia de favorecer, a nível empresarial, o que é nacional apenas por questões de identidade ou patriotismo. Da mesma forma, o seu reverso – a insistência na “manutenção dos centros de decisão” em Portugal, mesmo quando o capital está no exterior – sempre me suscitou mais dúvidas do que certezas. Considero utópico acreditar que podemos vender o capital das nossas empresas e, ao mesmo tempo, manter o controlo sobre as suas decisões. Parece-me óbvio que quem paga quer, no fim das contas, determinar o destino dos seus investimentos e que só delegará essa responsabilidade caso haja uma vantagem significativa.

Por essa razão, as empresas multinacionais que fabricam produtos de grande consumo para o nosso mercado têm, em geral, apenas equipas comerciais a operar em Portugal. Essas equipas reportam a um diretor sediado algures – muitas vezes responsável por vários mercados europeus ou, em escala ainda maior, por regiões como o EMEA. Na prática, a sua principal função é vender e dar suporte às vendas, enquanto as decisões estratégicas permanecem centralizadas no exterior.

Com a progressiva integração na União Europeia, essa fuga dos centros de decisão económica replicou-se em quase todos os setores. A cadeia de valor dos produtos espalhou-se pelo mundo, buscando economias de escala e eficiência de custos. Os serviços, especialmente aqueles que exigem contato direto com o cliente, seguiram a mesma tendência com o avanço da digitalização. A variável da confiança ainda pesa na equação, mas, em setores altamentes comoditizados – como telecomunicações ou serviços financeiros básicos -, já pouco importa se o cliente é atendido por um português, um inglês, um indiano ou por um LLM (large language model) gerado por inteligência artificial.

Enquanto isso, acompanhando esses processos, os nossos filhos, bem preparados, buscam oportunidades em outros países, onde o trabalho é mais qualificado, tem maior valor acrescentado e é, consequentemente, melhor remunerado.

Há como inverter essa tendência? Não me parece. Tentar conter essa dinâmica seria como tentar parar o vento com as mãos. Foi refletindo sobre essa questão que participei, recentemente, na FinAI Conference, um evento organizado pela Fintech House.

A Fintech House é uma incubadora especializada, fruto da parceria entre a Portugal Fintech, um espaço de coworking e uma consultora dedicada ao setor, a Fintech Solutions. Situada num edifício próximo ao icónico Liceu Camões, em Lisboa, abriga mais de 100 startups que atuam nas áreas de blockchain, criptoativos, crédito, insurtech, regtech e cibersegurança. Perdoem-me os anglicismos, mas algumas expressões técnicas simplesmente não se traduzem bem. Essas startups, lideradas por jovens portugueses ou a viver em Portugal altamente qualificados, já captaram mais de 1,2 mil milhões de euros em financiamento. O ecossistema português tem dado origem a empresas que estão a ganhar destaque globalmente – como a Coverflex, a Opnova, a Loqr, Ethiack e a Paynest -, e muitas outras mencionadas no Relatório Portugal Fintech 2024, cuja consulta recomendo vivamente.

Para apoiar essas startups, a Fintech House oferece suporte no acesso a capital, consultoria jurídica, programas de aceleração e captação de talento. Além disso, promove a ligação com incumbentes do setor, como bancos, seguradoras e reguladores. Entre os patrocinadores da iniciativa estão o BPI, a KPMG, a Morais Leitão, a VISA e a Fidelidade, além de outras instituições envolvidas em projetos de inovação como o Banco Primus, a Unicre, o Abanca ou o Novo Banco. Destaca-se ainda, de forma positiva, a presença constante do Banco de Portugal nos fóruns de debate, num papel proativo de acompanhamento das inovações do setor.

Sem entrar em grandes detalhes sobre o que foi discutido no evento – tema para um outro artigo -, há um ponto essencial a sublinhar: são estes jovens empreendedores e investigadores portugueses ou a viver em Portugal , atuando em áreas tecnológicas que revolucionarão o nosso modelo de trabalho – como inteligência artificial generativa e blockchain -, que podem construir um futuro próspero para o país. Na primeira fase da nossa integração europeia, é verdade que ficámos desprovidos de oportunidades para testar o nosso talento ao mais alto nível. Mas, com iniciativas como a Fintech House, que promovem e fixam esse talento, acredito que, em breve, voltaremos a expandir as fronteiras do conhecimento. Quem sabe, poderemos mais uma vez trazer novos mundos ao mundo.

Fiquem atentos a esta comunidade e valorizem o seu esforço. É disto que precisamos. Porque o futuro de Portugal não se constrói apenas com intenções, mas com conhecimento, inovação e a coragem de desafiar o status quo. Cabe-nos apoiar estas novas gerações, criar condições para que o talento floresça e garantir que o país não seja apenas um espectador na transformação global, mas um protagonista ativo na sua construção.

Nota: Melhorei o último parágrafo com recurso a um LLM.