
"Não há revoluções concluídas. Os tempos atuais colocam-nos em alerta, requerem mais integração, maior coordenação, mais informação e ainda mais análise e reforço da confiança", disse Mário Centeno na intervenção com que abriu a conferência 'Falar em Liberdade', que decorre esta tarde no Museu do Dinheiro, em Lisboa.
Segundo Centeno, Portugal é atualmente uma "sociedade em transição", seja na imigração seja na dimensão económica e financeira e de convergência com a União Europeia, e os desafios que existem requerem que seja retomado "o espírito de transformação que assentaram e definiram os últimos anos".
Apesar dos desafios, para o governador, Portugal é hoje um exemplo em várias vertentes, seja na importância da segurança social seja na liberdade de cada pessoa em poder expressar-se.
"Portugal é um exemplo de como um país se pode desenvolver, aberto ao exterior, com diversidade, equidade, e inclusão, D.E.I. Quase que apetece dizer em inglês", brincou.
Fez ainda Centeno um breve retrato de como era Portugal em 1974, um país pobre e pouco desenvolvido, desde a economia, à educação (em 1974, 26% da população era analfabeta), às condições de vida (grande parte das casas sem água e eletricidade) e de saúde (a esperança de vida era de 68 aos em 1974 e hoje é de 82 anos) e à desvalorização da mulher.
Destacou ainda que, logo a seguir ao 25 de Abril, houve uma medida económica marcante, a instituição do salário mínimo. Segundo Centeno, foi "tanta a ambição" no valor do salário mínimo que 60% dos trabalhadores passaram a receber o salário mínimo e só em 2017 o salário mínimo passou a ter o mesmo valor real (descontando a inflação) que teve em 1974.
Recordou ainda Centeno que, no 25 de Abril, tinha sete anos e vivia no Algarve, que no dia 26 não teve aulas e que a revolução lhe trouxe "a possibilidade de ler livros que então o pai tinha fechados, de ver desenhos animados que nunca existiram para infâncias anteriores" e que durante um tempo estranhou que na outra margem do rio Guadiana, em Espanha, "vivessem num regime muito diferente".
Sobre a instituição que lidera, disse Mário Centeno que o "Banco de Portugal é um filho da revolução", filho "da revolução liberal, no século XIX, e filho da revolução democrática", do 25 de Abril de 1974.
Em 1974, o Banco de Portugal era um banco de capital maioritariamente privado responsável pela emissão de moeda em Portugal Continental, Açores e Madeira (a então "metrópole"). Foi nacionalizado em setembro de 1974 (aquando da nacionalização dos bancos emissores), passando a ser na totalidade propriedade do Estado português.
Na sala da conferência, no Museu de Dinheiro, está exposto o carro do governador do Banco de Portugal em 1974, António Pinto Barbosa, um Mercedes-Benz preto antigo e bem restaurado, que quando o Banco de Portugal foi nacionalizado, passou a ser do Estado e viria a ser usado por Otelo Saraiva de Carvalho. No Comando Operacional do Continente (COPCON).
Mário Centeno foi ministro das Finanças de Governos PS de António Costa (2015-2020). É governador do Banco de Portugal desde julho 2020, terminando o seu mandato este ano (pode ser renovado).
Durante meses, foi um dos nomes apontados como possível candidato a Presidente da República pela área do Partido Socialista, mas em janeiro anunciou, em entrevista à RTP3, que não seria candidato nas próximas eleições.
Antes da conferência 'Falar em Liberdade' começar, enquanto o público ia entrando e se sentando, passou uma música sobre o Banco de Portugal, uma espécie de hino, cujo refrão canta que "o banco é um fiel, o fiel da balança".
Questionada pela Lusa, fonte oficial do Banco de Portugal disse que letra e música são de Carlos Tê e a interpretação é dos músicos Mário Barreiros, Pedro Santos, Rui David e Pedro Vidal.
Esta conferência conta ainda com uma intervenção do prémio Nobel da Economia Paul Krugman.
Ao longo da tarde participarão personalidades de várias áreas de atividade, como o humorista Herman José, os músicos Sérgio Godinho, Dino D'Santiago e Ana Bacalhau ou os escritores Mia Couto e Lídia Jorge.
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