A Inteligência Artificial (IA) é possivelmente o maior avanço tecnológico desde a revolução industrial. Mas o seu impacto não fica por aqui.
Nos últimos anos, a IA ganhou um importante significado simbólico na disputa e rivalidade geopolítica e económica entre os Estados Unidos e a China - as duas principais superpotências.
O reforço da IA como símbolo de superioridade científica e tecnológica intensificou-se com o surgimento (com poucos dias de diferença) da empresa chinesa de IA DeepSeek e o ambicioso projeto Stargate dos EUA.
A nova administração Trump deu um sinal claro de aposta na IA, anunciando a criação de uma cooperação empresarial que investirá até 500 mil milhões de dólares em infraestrutura ligada à inteligência artificial (IA), numa parceria (Stargate) formada pela OpenAI, Oracle e SoftBank.
Contudo, esta medida emblemática anunciada com pompa e circunstância pela administração Trump rapidamente acabou ofuscada pelo lançamento duma solução de IA (DeepSeek) duma empresa chinesa recente e até então desconhecida.
Fundada em 2023, a DeepSeek desenvolveu modelos avançados de IA que rivalizam com os de empresas ocidentais estabelecidas, como a OpenAI. O modelo principal desta empresa, o DeepSeek-R1, alcançou um sucesso notável, superando até o ChatGPT como a App gratuita mais descarregada na App Store da iOS nos Estados Unidos.
Segundo informação oficial, esta solução da DeepSeek foi desenvolvida com um custo muito inferior e num espaço de tempo muito mais curto do que as conhecidas tecnologias das “big tech” americanas.
Uma análise mais aprofundada desta solução parece indicar que terá havido apoio do governo chinês, como em regra costuma acontecer em setores que o governo considera estratégicos.
Também no que toca à privacidade e segurança dos dados, existem fortes suspeitas de que a informação disponibilizada pelos utilizadores poderá ser acedida pelas autoridades chinesas.
Mesmo não caindo na ingenuidade de acreditarmos na versão oficial que nos foi contada, i.e. que uma pequena e recente empresa chinesa, desenvolveu em tempo recorde, com um investimento incomparavelmente mais baixo, uma solução gratuita para o utilizador que rivaliza com o state of the art das empresas americanas líderes nesta área. A verdade é que a ascensão fulminante da solução de IA chinesa abalou fortemente as grandes empresas de tecnologia dos EUA, particularmente em termos de valorização de mercado e sentimento dos investidores. Por exemplo, as ações da Nvidia caíram 17%, resultando numa perda de 600 bilhões de dólares em valor de mercado, marcando a maior perda de um dia para uma empresa na história do mercado de ações. Por outro lado, os investidores temem que a tecnologia de IA de (supostamente) baixo custo da DeepSeek possa reduzir a procura por chips de alta qualidade e outros componentes produzidos pelos gigantes tecnológicos dos EUA, eliminando a vantagem competitiva de que estas empresas têm beneficiado.
Com o lançamento do DeepSeek a China ganhou uma batalha na disputa pela dominância da IA. Mas não ganhou ainda a “guerra”. Esta continua. As americanas Open AI e Google têm anunciados o lançamento de novas versões das suas soluções de IA.
A rivalidade em torno da IA entre a China e os EUA é mais do que apenas uma competição tecnológica; é um reflexo da disputa geoeconómica e geopolítica mais ampla pela supremacia mundial. Ambos os países reconhecem o potencial decisivo da IA tanto em termos económicos, como em termos militares e de segurança, e por isso estão apostando pesadamente para garantir suas posições como líderes nesta poderosa e estratégica tecnologia.
Tristemente, a Europa parece arredada da corrida pela dominância duma tecnologia poderosíssima que, se aplicada de forma controlada, responsável e ética, pode impulsionar a economia e melhorar a qualidade de vida das suas populações.
João Dias
Ex. Presidente da Agência para a Modernização Administrativa (AMA)