No imaginário de milhões de benfiquistas , o acidente de Superga, e a relação entre o Benfica e o Torino são legados que passam entre gerações. Gosto do  Torino porque o meu  pai e o meu  avô  me  explicaram os motivos , os contornos da tragédia , e assim como eu, milhões  benfiquistas. Aquele 4 de maio, dizimou uma seleção , destruiu a melhor equipa da época , abalou um país e comoveu o mundo. Mas nada disto tem comparação, ou é explicável, como quando vivido e sentido na primeira pessoa. 

Numa deslocação a Turim, para jogar uma meia final da Liga Europa contra a Juventus, o Benfica resolveu homenagear o Grande Torino e sinalizar a história com o nosso respeito. Fomos recebidos por largas dezenas de adeptos do Torino, alguns dirigentes actuais do clube e familiares de vítimas da tragédia, que gritavam «Benfica» com a nossa chegada. Memorável e arrepiante. 

Não era o objectivo , nem queríamos muito mediatismo,  a nossa intenção era honrar a história e traduzir a amizade entre os dois emblemas, cimentada por uma tragédia sem precedentes. 

Jogávamos contra a Juventus, queríamos o sucesso desportivo , sem acicatar rivalidades locais na cidade, mas fomos recebidos de uma forma singular por adeptos , dirigentes e familiares em lágrimas , comovidos pelo gesto mais simples . 

Quando uma senhora ( mais de 80 anos), familiar de uma vitima, se abraça ao Alcino António lavada em  lagrimas e diz-lhe não saía de casa há três  meses mas naquele dia tinha que vir ali dizer-lhe obrigado, ou um dirigente actual do Torino me abraçou e me disse que «os do Torino somos todos do Benfica desde 1949» ou ainda  «aqui em Turim com as vitórias do Benfica em 1961 e 1962 sentimo-nos bicampeões europeus.»    

Colocada a coroa de flores, fez-se um silêncio que não mais se desfez até aos abraços finais, como se de uma viagem no tempo se tratasse, como se fossem Francisco Ferreira e Mazzola a dar um silencioso abraço de amizade. 

Quando eliminámos a Juventus e carimbámos a passagem à final da Liga Europa, fomos para o aeroporto escoltados por lambretas de adeptos do Torino, com bandeiras e cachecóis do Benfica e do Torino misturados. Era também o Torino a classificar-se para uma final europeia. Que fácil que foi , chegados a Lisboa, sugerir o Torino como adversário para uma Eusébio Cup.

O Grande Torino não era apenas uma boa equipa , era a melhor equipa do Mundo da época , com os melhores jogadores do mundo , ganhava tudo e espalhava magia numa altura difícil. Com cinco  títulos consecutivos, com uma equipa quase imbatível, com um futebol revolucionário na época, num 4-2-4 posto em prática pelos melhores jogadores do Mundo, onde Valentino Mazzola era talvez o astro mais singular. 

Num pós guerra traumático , numa Itália dividida e derrotada na II Guerra Mundial , o Grande Torino era a Itália ela mesmo, uma nação capaz de ganhar e fazer coisas em redor do desporto da sua paixão. 

A seleção Italiana da época chegou a jogar 10 jogadores do Grande Torino, vitimado pelo acidente que foi o mais traumatizante desastre de meio seculo desportivo. Depois da tragédia, e de um funeral com 500 mil pessoas vindas de toda a Itália, Génova , Palermo e Fiorentina colocaram equipas da formação para jogar contra o Torino dizimado e sem jogadores. Tempos em que o respeito pelo jogo ainda ganhava ao fanatismo... 

Quem visita a bonita Basílica de Superga , com vista para o gelo dos Alpes, quem lá vai  percebe que nos Santos mais venerados estão Mazzola , Rigamonti ou Castigliano.

Naquele muro estão mais que 30 livros publicados, mais que 10 documentários realizados, ali estão rios de lágrimas sentidas, ali está o mais puro amor ao jogo e aos seus heróis. 

O futebol, que vive de emoções, tem estas coisas, lugares míticos onde o sentimento de pertença se faz por laços de amizade e saudade, onde as maiores tragédias mostram também o que há de melhor nos homens.

 Sim , sou do Torino , guardo uma camisola e um cachecol daquele bonito grená, e nunca mais esqueço que aquela vitoria de 4-3 no Jamor não foi um jogo, foi uma celebração de despedida a uma geração única ,e um testemunho de amor ao futebol como ele devia ser. Mazzola e os seus companheiros repousam no panteão dos sentimentos de milhões de adeptos, e nós, benfiquistas, estamos lá.