

O jogo contra o Estoril Praia foi o cenário perfeito para o desfile de dois jogadores do Sporting: Viktor Gyokeres e Zeno Debast. Por razões diferentes, mas ambas com o mesmo princípio: o espaço nas costas da linha defensiva do Estoril Praia que os leões conseguiram aproveitar.
Comparar este jogo com aquele que ocorreu há precisamente uma volta atrás é um exercício distante, embora poucos meses se tenham passado. A equipa dominante é capaz de vulgarizar adversários orientada por Ruben Amorim já passou por João Pereira e é agora de Rui Borges, envolvida numa espécie de crise de identidade a meias (e de certa forma causada por) um surto de lesões como se de infeções respiratórias se tratassem. Em sentido contrário, o Estoril Praia inseguro que Ian Cathro montava a quatro e com os médios a fechar os corredores, deu lugar a uma equipa aprazível de ver jogar, com um futebol mais ligado e uma procura incessante pela bola que a faz subir a pressão.
Foi precisamente a pressão subida do Estoril Praia com marcações e encaixes muitas vezes individualizados, que proporcionou o caldeirão perfeito para o Sporting se evidenciar na primeira parte e, por vezes atrás de vezes, chegar à baliza adversária. E aí, surgem os dois nomes maiores do jogo dos leões.

Ter Viktor Gyokeres a 100% muda o jogo do Sporting. Seria difícil, com Conrad Harder ou qualquer outro jogador do plantel, ter a mesma ameaça na profundidade em zonas tão recuadas do campo. O sueco não acrescenta apenas perto da baliza, pela insaciabilidade felina de quem quer sempre mais um golo, mas também muito longe desta, nas zonas em que o perigo deveria ser apenas uma miragem.
Os erros individuais cometidos pelos defesas do Estoril Praia (Pedro Álvaro e Felix Bacher não viveram um jogo particularmente feliz) só adensaram a via aberta – que pode permitir, com tempo e paciência, ao Estoril Praia alcançar outros vôos – que o sueco aproveitou, nas suas galgadas constantes, nas corridas sem perder de vista a baliza, no sentido de ameaça constante de quem só precisa de meio metro para ferir.
Pela primeira vez em algumas semanas, o sueco esteve ao seu nível. As intermitências físicas impediram Viktor Gyokeres de apresentar um rendimento constante, mas se havia altura para o sueco reaparecer era no Carnaval, erguendo pelas mãos a máscara que se habituou a colocar em todos os dias.

Para o jogo de Viktor Gyokeres, muito contribuiu a exibição de outro destaque do Sporting, ainda que mais silencioso. Zeno Debast, cujas lesões levaram a uma subida no terreno, é um jogador com uma capacidade de passe pouco vista em Portugal. Não exaltar o GPS que orienta todas as bolas que saem dos pés do belga é um desperdício para aquilo que os olhos vêem.
As duas assistências só ajudam a traduzir em números a dimensão técnica que as bolas longas de Debast acrescentam a um jogo de futebol. Com tanto espaço nas costas e um jogador como Viktor Gyokeres a explorá-lo, a precisão do belga fez o resto. Quer mais central no terreno, quer mais lateralizado, procurando escapar à marcação direta e ver o jogo de frente, o central-médio do Sporting criou situações de golo e lançou por diversas vezes os companheiros no espaço vazio.
No meio de um momento delicado, em que a segurança é uma miragem algo distante, e em que, mesmo em jogos controlados, se fazem sentir dúvidas e calafrios, ter espaço para correr nas costas da defesa permitiu ao Sporting criar muito perigo. Joel Robles evitou uma vitória mais expressiva e tornou mais apertado um jogo relativamente na mão dos leões.
Fica ainda a nota para a exibição tranquila de Eduardo Felicíssimo, ainda que longe dos terrenos onde está mais confortável, mais um nome que saltou das sombras para os holofotes. Só superando adversidades se poderá fazer face a um plantel construído para ser curto e que está cada vez mais curto. Porque, quando falta a profundidade no balneário, enquanto houver Gyokeres e Debast, basta haver profundidade em campo.

BnR na Conferência de Imprensa
Bola na Rede: Como tem sido habitual neste novo papel como médio, o Debast lateralizou muitas vezes a posição, acabando o meio-campo do Sporting por ficar mais despido. Na balança risco/benefício o que pretende com esta opção estratatégica e qual a importância face à crise de médios, do passe desde trás para saltar etapas na construção?
Rui Borges: Depende da forma como olham para o jogo. O que ele fez, fez muito bem. O meio-campo não estava despido, estava um 4+1, com o Quenda e o Trincão no espaço interior, um 4+3. De repetente estávamos com três centrais ou com o Zeno a criar uma linha de quatro. A estratégia e os sistemas… O futebol está muito evoluído. Se está com 3,5,4, ou 2, se olharmos para os 90 minutos qualquer equipa está a 3, a 2 ou a 4, a 3+2, 4+1. Há muita mutação no jogo, às vezes é estratégia também. O Zeno tem uma grande capacidade de passe, como acabaste de dizer, e para tentar desmontar uma pressão a três, criando um 4+3 ganhamos uma superioridade. São pequenas coisas estratégicas, mas nunca estivemos desequilibrados. Em alguns momentos pode parecer que estamos, e num ou outro podemos estar, porque não controlamos. Estou a ser simpático quando digo que o treinador controla 20% do jogo, os restantes 80% são tomadas de decisão dos jogadores, ofensivas e defensivas. Acima de tudo estou feliz porque de forma estratégica a equipa esteve ligada nos 96 minutos.
Bola na Rede: Os dois sistemas iguais no papel permitiam encaixes naturais em campo. Ofensivamente, qual a importância dos extremos do Estoril Praia jogarem de fora para dentro, procurando muitas vezes o espaço entre o ala e o central exterior do Sporting?
Ian Cathro: Sem falar muito sobre isso, temos a ideia de que, uma equipa que quer ter bola tem que ter mobilidades e tem de ter mobilidade dentro de alguma ordem. Nós temos a dinâmica de garantir que conseguimos ter impacto na capacidade do adversário para pressionar para tentar abrir os lados e, com dinâmicas diferentes, criar algumas dúvidas nas referências que podem ter. Nos últimos jogos toda a gente vê o que estamos a fazer. Estamos no processo de tentar corrigir coisas, melhorar e ganhar dinâmicas. Hoje mostrámos que temos opções diferentes. Entrámos com dois avançados e com o João Carvalho numa posição diferente, lançámos o Pedro Amaral como central para tentar ter mais do lado esquerdo. Sempre com a ideia de jogar mais, ser mais ofensivos e chegar mais perto da baliza. Estávamos a perder e queremos ganhar todos os jogos.