Desde a fundação da Liga Conferência, em 2021, que os clubes portugueses nunca tinham encontrado forma de se darem bem com ela. O torneio de terceiro nível da UEFA vinha decorrendo como uma festa paralela às engalanadas competições com regular participação nacional. O inédito apuramento do Vitória SC, de Guimarães, colocou pela primeira vez uma equipa na competição e demonstrou que a portugalidade, ao contrário do que se possa ter chegado a pensar, também é compatível com ela.
Paços de Ferreira – a quem não bastou ganhar ao Tottenham na Mata Real para garantir a qualificação –, Santa Clara, Gil Vicente, Arouca e o próprio Vitória SC foram os clubes que anteriormente tiveram oportunidade de bisbilhotar o acesso à Liga Conferência sem que nunca o tenham efetivado. Batendo o Floriana, o FC Zurique e o Zrinjski Mostar nas pré-eliminatórias, os conquistadores conseguiram esse feito inédito.
A partir daí, a equipa de Rui Borges pôs-se a desbravar caminho. As nove vitórias europeias consecutivas (juntando qualificação e fase de liga) constituem um recorde absoluto para equipas portuguesas e mesmo que a série tenha sido interrompida pelo empate em Astana, a permeabilidade aos desaires garantiu o segundo lugar na fase de liga e o apuramento direto para os oitavos de final.
“Estamos cientes de que fizemos um grande caminho até aqui”, salientou o Rui Borges. Se no início da época “ninguém acreditava” que o Vitória SC ia ultrapassar as pré-eliminatórias, também “ninguém acreditava” que os conquistadores ficassem sequer em posição de disputarem o play-off, percurso que as equipas entre o nono e o 24.º lugar vão ter que fazer para tentarem chegar aos oitavos de final. “Só engrandece o nosso clube, que é um grande clube, e acima de tudo engrandece o nosso futebol. Isto obriga a quem está lá fora a não olhar só para o FC Porto, Benfica e Sporting, porque há outras grandes equipas, como é o Vitória SC.”
Na Liga Conferência, só o Chelsea se equipara aos vimaranenses. As duas equipas são as únicas que terminaram a fase de liga sem qualquer derrota. Os londrinos colocaram-se na fase seguinte com quatro pontos de vantagem face ao Vitória SC fruto de um registo perfeito, com seis triunfos noutros tantos jogos.
Sendo o Chelsea, vice-líder da Premier League, o grande favorito a ganhar a prova, é com naturalidade que se encontra destacado em certos parâmetros estatísticos. No entanto, o Vitória SC não deixa de, sobretudo em aspetos ofensivos, conseguir sobrepor-se.
Os conquistadores foram a equipa que teve mais tentativas de golo (137) ao longo das seis jornadas da fase de liga, guiando-nos pelos registos oficias da UEFA. Em relação aos blues, a equipa portuguesa desleixou-se apenas no aproveitamento. Dessas 137 pesquisas pela baliza, apenas 51 acertaram no alvo (ainda assim, o segundo melhor registo da competição) e 13 deram em golo.
“Realmente, temos que ter 30 oportunidades para fazer um golo”, lamentou Rui Borges depois do empate com a Fiorentina que encerrou a fase de liga. Na partida com os italianos, o Vitória SC atingiu 1,7 golos esperados - expected goals, ou xG, a métrica que tenta quantificar a qualidade das oportunidades de golo -, mais do que o adversário (1,4), segundo a Opta. Marcar apenas por uma vez, através do ponta de lança improvisado Gustavo Silva, permitiu que a pressão nos minutos finais do emblema viola fosse suficiente para igualar o marcador.
De qualquer modo, diante de um dos conjuntos mais emblemáticos em competição, o Vitória SC não se subjugou. A Fiorentina foi a segunda equipa que, em média, mais posse conseguiu ao longo dos seus jogos (60%), mas, na visita ao Estádio D. Afonso Henriques, ficou abaixo desse registo (58%) dada a manifestação de interesse dos conquistadores em também serem protagonistas com bola. Além disso, não é só no tratamento da mesma que os minhotos se evidenciaram, tendo terminado com 49 recuperações, uma delas a de Manu Silva que deu início ao lance do golo de Gustavo Silva. No total, ao longo dos seis jogos, foram 271 - só Molde e Cercle Brugge conseguiram mais.
Rui Borges já adiantou que o Vitória SC vai ter “jogos dificílimos” daqui em diante. De facto, o enquadramento não é o mais favorável. O próximo adversário vai sair das eliminatórias entre Gent e Bétis ou Copenhaga e Heidenheim. A 21 de fevereiro saber-se-ão mais detalhes. Os vimaranenses ficam junto de Chelsea, Fiorentina, Rapid Viena, Djugarden, Lugano, Legia Varsóvia e Cercle Brugge à espera do regresso das noites europeias, a 6 e 13 de março. Se o Vitória SC atingir os quartos de final iguala a melhor prestação de sempre numa prova internacional que aconteceu há 37 anos.
Rendimento internacional e não só
No campeonato, a prestação tem sido mais irregular. Em 14 jornadas, o Vitória SC colecionou seis triunfos, quatro deles no Estádio D. Afonso Henriques. É o suficiente para estar próximo dos lugares de acesso europeu, onde, depois de Sporting, Benfica e FC Porto, estão Santa Clara e SC Braga. Porém, vindo de baixo vão aparecendo outros interessados no top-5.
Acontece que, mesmo quando não ganha, o Vitória SC convence. Apesar de não ter ido além de um empate a dois golos em Vila do Conde, na segunda parte do jogo mais recente na I Liga, os jogadores fizeram “os melhores 45 minutos, não só do Vitória SC, mas de qualquer equipa em termos coletivos no campeonato” na opinião deixada pelo analista Rui Malheiro no podcast “No Princípio era a Bola”, da Tribuna Expresso.
Rui Borges tem sido mestre na implementação de um estilo associativo. Os dados recolhidos através da Driblab indicam que o Vitória SC é a quinta equipa do campeonato com menor média de distância no passe (28,2 metros) e a bola é trocada 11 vezes pelos jogadores em campo antes que estes recorram a lançamentos longos.
A confiança nestes métodos resulta num baixo índice de objetividade (registo de 21,1 na métrica que mede a relação entre os passes para a frente e os passes para o lado ou para trás), que pode ser traduzido pela necessidade de uma certa dose de paciência e perfecionismo para que tudo saia bem quando se alcançam zonas de perigo. Outro dado transparece-o: em média, o Vitória troca 38.1 passes no campeonato antes de rematar à baliza, sendo a 13.ª equipa que mais o faz. Porém, entrando nos últimos 30 metros do campo, só FC Porto, Benfica e Sporting progridem mais com a bola.
Com ela quieta, a história é outra, pois não há equipa com mais golos esperados (0.61 xG) a partir de lances de bola parada na I Liga.
Tomás da Cunha, comentador e analista da Tribuna Expresso, disse na mesma tertúlia que “o trabalho de Rui Borges é o melhor da temporada em Portugal”. Estamos perante “uma equipa que tem identidade e se consegue adaptar ao adversário, consegue jogar em diversos cenários e tem diversos jogadores que estão a ser aproveitados”.
Fundamental para o rendimento tem sido também o domínio de técnicas de asfixia. O Vitória SC fica pouco contente por esperar pelo adversário quando está sem bola e, por isso, prefere ir buscá-lo. Com as linhas de pressão geralmente adiantadas, 47,9% das ações defensivas acontecem em zonas avançadas do relvado, o que leva a 16,1 recuperações no meio-campo ofensivo, em média.
Esta relação com o risco tem pautado a época no Inferno Branco. O castelo vive tempos de folia que vêm do final da temporada passada, quando o Vitória SC bateu o recorde de pontos no campeonato, mesmo com instabilidade no lugar do treinador. As boas energias não se esfumaram. Com objetivos por alcançar no campeonato e ainda vivo na Taça de Portugal e na Liga Conferência, não há como não precisar a elas.