O maestro da orquestra que fez cair Roger Schmidt numa fase precoce da época, que fez vergar o todo-poderoso Sporting CP em casa e que eliminou o FC Porto de uma competição onde há muito não conhecia o sabor da derrota. Tudo isto na primeira metade da presente temporada: eis César Peixoto - reveja AQUI a entrevista que o técnico concedeu ao zerozero.
Influenciado por Jorge Jesus - e com uma ajuda da sua mulher (pode ver a confissão aqui) - o ex-jogador dedicou-se à arte de comandar equipas com a mesma paixão e determinação que lhe conferiram notoriedade enquanto jogador. Agora, ao serviço do Moreirense, vai chamando a atenção daqueles que duvidaram das suas capacidades numa fase embrionária da carreira.
A transição de uma caminhada próspera como atleta para o banco de suplentes nunca é simples, especialmente quando o legado de um passado repleto de conquistas se entrelaça com os desafios da liderança e da gestão de um grupo de profissionais. Da atitude «ranhosa» enquanto jogador, à liderança exímia de balneários como treinador.
Em Moreira de Cónegos, César Peixoto encontrou o projeto certo na altura certa da sua vida. Mas nem tudo foram rosas no trajeto até aqui. O início milagroso em Varzim, as passagens menos bem sucedidas em Chaves e em Coimbra e, por fim, antes de voltar ao Minho, o Paços de Ferreira.
Para compreender melhor o atual momento do «mister César» à frente do Moreirense, é fundamental ouvir aqueles que partilharam com ele momentos distintos do seu trajeto. Tendo isto em mente, o nosso portal decidiu falar com Nelsinho, Nuno Lima e Rui Pires.
Primeira missão? Milagre em Varzim
César Peixoto estreou-se como treinador em 2018/19, assumindo o comando técnico do Varzim numa situação que beirava o desespero. A equipa encontrava-se em zona de descida na Segunda Liga e, com apenas nove jornadas pela frente, o contexto era de grande pressão. Apesar disso, o técnico não se deixou intimidar e abraçou o desafio com a confiança e a ousadia que mais tarde viriam a caracterizar a sua abordagem enquanto técnico.
Nelsinho, capitão daquela equipa, revelou ao zerozero que a chegada do treinador gerou alguma apreensão inicial. «Ficámos admirados e apreensivos quando soubemos que era o César que ia substituir o Fernando Valente. Estávamos numa situação complicada e era o primeiro trabalho dele», confessou. Contudo, a desconfiança inicial rapidamente deu lugar à admiração: «Surpreendeu-nos desde o primeiro dia, estava muito bem preparado. Chamou os capitães ao gabinete dele e mostrou-nos um dossiê com todas as informações dos jogadores do plantel!»
A capacidade do técnico de 44 anos de se colocar no lugar dos jogadores revelou-se fundamental. Tendo vivido momentos de pressão semelhantes enquanto atleta, soube trabalhar a dimensão psicológica do grupo. De acordo com o capitão, a carreira de jogador permitiu a César «recuperar animicamente» o plantel. «Deu-nos confiança e aproveitou a experiência dele para ver aquilo que precisávamos.» Essa empatia foi essencial para unir o balneário e preparar o desafio da manutenção.
César Peixoto também mostrou um lado mais descontraído, que servia de contrapeso às exigências do cargo. «Quando se falava nele pensávamos naquele feitio difícil, aquele jeito ranhoso... Mas surpreendeu-nos. Sabia lidar muito bem com os jogadores», disse Nelsinho entre sorrisos. Ainda assim, o jovem treinador demonstrou desde cedo o seu foco em afirmar-se no futebol profissional: «Era o primeiro trabalho da vida dele, mas ele vinha mesmo com intenção de se afirmar. Era muito exigente e fez-nos estar do lado dele.»
O momento mais marcante da curta passagem do técnico português pelo Varzim foi o jogo decisivo pela manutenção na última jornada. Antes da partida, o treinador tomou uma decisão «inusitada». «Antes do último jogo fomos fazer um estágio para um hotel em Vizela e nós nunca fazíamos estágio nos jogos em casa. Ele sabia que não era com pressão que íamos lá. Deixou-nos super à vontade», recordou Nelsinho. A decisão revelou-se acertada: o Varzim garantiu a permanência com um golo aos 75', e o ex-jogador dava, de forma afirmativa, o primeiro passo enquanto treinador principal.
Do deslumbramento à adversidade: Chaves, Académica e Paços de Ferreira
Depois de um início promissor no Varzim, que culminou na manutenção da equipa na Segunda Liga, César Peixoto encontrou desafios bem diferentes nas experiências seguintes. No Chaves e na Académica, o treinador viveu um misto de deslumbramento e adversidade, com resultados que nem sempre refletiram o trabalho e a ambição dos projetos. Foram, nas palavras de Rui Pires, jogador com mais jogos realizados sob a orientação de César Peixoto, apenas «dores de crescimento». «Muitas vezes temos de cair para depois voltar a insistir», completou.
Foi apenas no Paços de Ferreira, em 2021/22, que o trabalho do treinador voltou a ganhar destaque. É na Mata Real que Peixoto começa a consolidar a sua identidade enquanto técnico. Apesar de uma segunda temporada marcada pela descida de divisão, muitos jogadores reconheceram a qualidade do trabalho realizado pelo técnico.
Nuno Lima, defesa-central que trabalhou com ele nesse período, destacou a paixão e o conhecimento do treinador como fatores determinantes. «O César tem uma ideia de jogo muito positiva, com um futebol muito atrativo. Ele quer dominar os jogos todos», afirmou.
Ainda segundo o jovem, que agora atua na Turquia, a ligação de César Peixoto aos jogadores foi algo que o diferenciou dos restantes técnicos com quem trabalhou. «Era muito próximo dos jogadores, confiava em nós e queria que confiássemos nele. Tratava todos os jogadores de forma igual. Dava muita atenção aos que não jogavam e não deixava ninguém cair no buraco», explicou.
«Apesar de as coisas não terem corrido tão bem no segundo ano, os jogadores estavam quase todos do lado dele», complementou Rui Pires.
Mesmo durante momentos difíceis, como o afastamento dos castores, a confiança no treinador permaneceu inabalável. O médio com formação de FC Porto lembrou esse episódio singular: «Não sei se foi a primeira vez que um treinador em Portugal foi despedido e contratado passadas seis jornadas. Para nós pareceu uma coisa normal, porque sentíamos que com ele éramos mais fortes».
Esse retorno ao comando da equipa reflete não só a confiança dos jogadores, mas também da direção do clube no técnico. «Isso mostra que dentro dos clubes acreditam nele. Por vezes, por uma razão ou outra, as coisas não saem bem, mas o mais importante é a opinião dos jogadores. E quando se fala com a malta que trabalhou com ele, todos dizem bem do mister. Isso demonstra a qualidade que ele tem», vincou Rui Pires.
Esta fase, apesar de atribulada, parece ter preparado o treinador para o sucesso atual, como destaca Nuno Lima: «Acho que o César está a chegar àquele ponto rebuçado. As pessoas não davam o devido valor ao César Peixoto, mas os jogadores que se cruzaram com ele sabem que é um grande treinador.»
A afirmação definitiva: o Moreirense como espelho de César
César Peixoto regressou ao Minho para assumir o comando técnico do Moreirense na presente temporada e lá encontrou o palco ideal para se afirmar como um dos treinadores mais promissores da nossa praça. O técnico herdou uma equipa bem orientada e que havia conseguido uma das melhores épocas da sua história sob o comando de Rui Borges.
O técnico de 44 anos aproveitou o belo trabalho do agora timoneiro do Vitória SC, soube perceber a matéria-prima que tinha em mãos e conseguiu dar o seu cunho pessoal à formação de Moreira de Cónegos. Que o digam todas as equipas do futebol português que têm suado (e muito) quando o adversário se veste de xadrez verde e branco.
Nuno Lima descreve o atual momento do treinador com entusiasmo: «Finalmente está a receber o devido valor. Agora toda a gente fala do trabalho e da qualidade do César». Rui Pires reforça essa ideia: «Este ano é a amostra perfeita do trabalho dele. Não só pelo lugar que ocupam na tabela, mas também pelos resultados que tem conseguido frente às equipas grandes.»
Os resultados sobre adversários ditos «superiores» mostram uma equipa que não abdica de competir de igual para igual, independentemente do adversário. «As equipas do César são equipas com alma, com caráter e que não viram a cara à luta», acrescenta Nuno Lima. Ou não fossem as inúmeras remontadas que os cónegos já realizaram esta temporada. Para Rui Pires, a coragem de César Peixoto reflete-se diretamente no seu estilo de jogo: «A imagem de marca dele é querer uma equipa sem medo de jogar. Mesmo quando as coisas não nos saíam bem, ele dava-nos confiança e dizia para arriscarmos.»
Além disso, Peixoto continua a demonstrar o mesmo entusiasmo e proximidade com os jogadores que o destacaram em experiências anteriores. Como lembra Nuno Lima: «A paixão que nós [jogadores] sentimos pelo jogo, ele ainda a tem dentro dele. E consegue passar isso para as equipas dele». Essa energia é visível na forma viva como o técnico se expressa no banco e transmite confiança aos atletas dentro do campo. «O César está a fazer desta equipa do Moreirense a sua cara. Eles não abdicam de atacar e olhar olhos nos olhos seja qual for o adversário», afirmou.
Rui Pires lembra que o sucesso de César Peixoto no Moreirense não é por acaso: «Para muita gente esta época no Moreirense é novidade, mas às vezes só é preciso estar no sítio certo, à hora certa e com os jogadores certos. Da maneira como ele e a equipa técnica dele trabalham, era uma questão de tempo até as peças encaixarem».
Com o Moreirense consolidado como uma das surpresas em Portugal, a trajetória do português parece apontar para voos ainda mais altos. Nuno Lima acredita que o treinador tem tudo para chegar longe: «Se continuar a trabalhar desta forma, acredito que o mister possa chegar a um dos grandes de Portugal». Rui Pires partilha a mesma visão: «Todos os treinadores que têm sucesso em Portugal acabam por dar o salto para fora ou para um grande. Acho que o César não vai ser exceção». Cá estaremos para ver (e aplaudir).