*com Diogo Organista Pereira
Comandar um emblema desde os campeonatos distritais até ao principal escalão de um país pode parecer, para muitos, uma tarefa hercúlea. Apesar de este ser um dos objetivos que move os clubes regionais, são diversos os motivos - como a escassez de recursos, as dificuldades financeiras ou a falta de um plano estruturado para um futuro a longo prazo - que travam esta longa mas desejada epopeia.
Reside, porém, no Brasil um exemplo de uma equipa que concretizou esta longa travessia pela primeira vez na sua história e logo em tempo (quase) recorde. Dos campos modestos do futebol amador ao entusiasmo da primeira divisão brasileira, o Mirassol precisou apenas de cinco anos (!) para escalar quatro divisões - desde alcançar a Série D, em 2019, até à promoção ao Brasileirão, em 2024 - e alcançar o tão desejado éden do futebol.
Prestes a entrar em época de centenário, o Leão da Alta Araraquarense rubricou, assim, um capítulo dourado nas páginas da sua história, encerrando um ciclo de conquistas que teve início há meia década. Na próxima temporada, o emblema de Mirassol vai disputar os maiores palcos do Brasil ao lado de históricos como Flamengo, Palmeiras, Botafogo ou Corinthians. O sonho de qualquer torcedor.
Tendo em conta este trajeto relâmpago, o zerozero esteve à conversa com Edson Antonio Ermenegildo, presidente do Mirassol, sobre os desafios ao longo da caminhada, a importância do centro de treinos para o sucesso do clube e perspetivas futuras para o modesto emblema do interior de São Paulo.
«Independentemente da divisão, é muito importante oferecer condições de trabalho»
Acompanhado pelos históricos Santos, Sport - orientado pelo luso Pepa - e Ceará, uma vitória por 1-0 diante da Chapecoense garantiu ao caçula Mirassol a inédita promoção ao Brasileirão. Com as contas da Série B adiadas para a última jornada, cerca de 15 mil adeptos vivenciaram um momento único no estádio José Maria de Campos Maia, onde o soar do apito final levou a uma explosão de alegria para os da casa.
A pisar caminhos nunca antes descobertos, o Mira é um modesto clube do interior de São Paulo, perto do município de São José do Rio Preto, e pertence a uma pequena cidade com cerca de 65 mil habitantes. Este dado torna-se curioso quando comparado aos emblemas que militam na primeira divisão do país. Isto porque, caso toda a população decidisse apoiar o Mirassol fora de portas, não seria suficiente para encher os três maiores estádios do Brasil - o Maracanã, o Estádio Nacional Mané Garrincha e o Morumbi.
Fundado a 9 de novembro de 1925, este tem sido o período mais célere dos mirassolenses, uma vez que em 2019 encontrava-se a disputar um campeonato não profissional - Copa Paulista. No ano seguinte, o Mirassol terminou no primeiro posto da Série D e, em 2022, conquistou a promoção à Série B. Depois de um sólido sexto posto na temporada de 2023, à segunda foi de vez e o Mira concluiu todas as etapas em 2024. Segue-se a estreia na Série A.
Há cerca de três décadas na liderança no clube, Edson Ermenegildo destacou a estruturação de um plano com objetivos bem definidos - aliado às boas condições de trabalho - como fulcral para o crescimento da instituição e mostrou-se grato para com todos os envolvidos na caminhada até ao Brasileirão: «A sensação é de alegria e de agradecimento, aos profissionais e aos adeptos, que nos acompanharam durante esta jornada.»
«O planeamento é fundamental. Independentemente da divisão que se disputa, é preciso oferecer todas as condições de trabalho, seja para os atletas, bem como para a comissão técnica. Existe também a segurança de que todos os objetivos assumidos são cumpridos. Acreditamos, fundamentalmente, na responsabilidade da administração em gerir os recursos para que o crescimento seja alicerçado em bases sólidas», vincou.
«A construção do centro de treino permitiu-nos uma mudança de patamar»
Para o líder máximo dos leoninos, um dos grandes pilares deste projeto incide no centro de treinos topo de gama, que impulsionou a mudança de paradigma no clube: «O centro de treinos permitiu uma mudança de patamar no Mirassol, no sentido de podermos oferecer melhores condições de trabalho, tanto para os atletas como para a comissão técnica. As boas condições de trabalho atraem bons jogadores e ajudam, inclusive, nas negociações.»
«Deste a inauguração, o nosso centro de treinos tem estado em constante evolução. Temos alojamento para as camadas jovens, uma academia própria para a formação, sauna, spas, tanque de flutuação e equipamentos modernos para o nosso departamento médico. O investimento no nosso centro de treinos é uma constante no clube», salientou Edson.
Construído em 2018 - quando o clube disputava ainda as divisões não profissionais - e aprimoradas desde então, um dos principais fatores para o financiamento deste ambicioso empreendimento prende-se com a venda de um jogador, nomeadamente a de Luiz Araújo.
Vinculado atualmente aos quadros do Flamengo, o avançado brasileiro começou a carreira ao serviço do escalão Sub-19 do Mirassol. O irreverente esquerdino mudou-se, depois, para o São Paulo - onde disputou 49 partidas em cinco épocas pelos diversos escalões da equipa -, sendo que o clube garantiu 20 por cento dos direitos económicos do jogador.
Desta forma, o modesto emblema do interior de São Paulo recebeu cerca de 7,6 milhões de reais (2,2 milhões de euros na cotação da época) quando Luiz Araújo deixou o Tricolor Paulista e rumou ao Lille, a troco de 38 milhões de reais (10,5 milhões de euros). Este valor patrocinou o investimento nas infraestruturas do centro de treino, um espaço com aproximadamente 1500 metros quadrados.
«A receita da venda do atleta permitiu-nos dar um pontapé inicial para a construção do centro de treinos. Esse é talvez o grande feito que marca o início da mudança de patamar do clube», revelou o dirigente.
«Futuro? Pensamos sempre com responsabilidade e com os pés bem assentes na terra»
Desta forma, a ascensão meteórica do Mirassol até à elite do futebol brasileiro testemunha que um humilde e modesto clube consegue ser protagonista de uma história de sucesso incomum, desde que o trajeto seja alicerçado em pilares vitais. São fundamentais fatores como responsabilidade no plano estratégico e no estilo de gestão, bem como investimentos acertados em áreas-chave.
Rumo ao desconhecido, avizinha-se, porém, um período dúbio para o Leão Caipira. Isto porque a inexperiência pode custar caro na disputa dos mais altos patamares e segurar os atletas responsáveis pela subida torna-se complexo, face ao interesse de vários clubes. Além destes obstáculos, Mozart, timoneiro da promoção ao Brasileirão, decidiu deixar a equipa e rumar ao Coritiba.
O futuro, porém, não assusta Edson, uma vez que o planeamento é feito sempre «com os pés bem assentes na terra» para alcançar os objetivos propostos: «A nossa principal meta, sem dúvida, é a permanência na elite, tanto no Paulistão como na Série A do campeonato brasileiro. Tem sido assim nos últimos anos, sempre com os pés bem assentes na terra e com muita responsabilidade.»
Conseguirá o Mirassol ser a equipa revelação do Brasileirão na época que se avizinha?