O FC Porto é uma equipa que parece não ter muita vontade de querer ajudar-se a si mesma. Complica as coisas, torna-as de uma dificuldade maior, aparenta gostar de se meter em problemas, como um miúdo que ainda está a aprender a andar de bicicleta mas já tenta andar sem mãos.

O FC Porto é uma equipa que não ajuda Fábio Vieira. O venenoso esquerdino é especialmente perigoso atuando perto da área do adversário, podendo aplicar a sua canhota para rematar ou assistir, sempre procurando a baliza. Mas, neste conjunto azul e branco, o português atua muitas vezes demasiado recuado, sendo impossível não ter a sensação de haver muito potencial desperdiçado nessa opção, uma oportunidade permanentemente perdida.

Ora, em Arouca houve um fenómeno curioso: a equipa que não se ajuda a si mesmo ganhou, e logo com protagonismo do jogador que não é ajudado pela equipa. Pela terceira vez em oito partidas com Anselmi, os dragões venceram, derrotando o Arouca por 2-0. Nas suas dificuldades e felicidades, o guião da noite deixou várias mensagens para o técnico argentino.

Desde logo, a necessidade de melhorar, de ter uma circulação de bola melhor, de conseguir dominar como o ex-Cruz Azul pretende. E, também, a obrigatoriedade de ter Fábio Vieira mais perto da baliza adversária: foi quando o médio se aproximou da área que veio o único golo dos dragões frente ao Vitória e foi, também, quando o canhoto ganhou liberdade para avançar que, no segundo tempo, surgiu o melhor FC Porto.

Antes dos melhores momentos de Vieira, o arranque do duelo trouxe logo uma novidade: um golo do FC Porto na primeira parte de um jogo da I Liga. Desde 28 de dezembro, no dérbi contra o Boavista, os dragões ficaram sempre em branco até ao descanso, numa seca que englobou sete rondas.

A espera por festejos antes do intervalo concluiu-se aos 13', depois de Fontán pisar Samu, o VAR intervir e o atacante espanhol dispor de um penálti. Na conversão chegou o 14.º golo no campeonato do jovem de 20 anos.

Samu remata para o 1-0
Samu remata para o 1-0 ESTELA SILVA

A vantagem relativamente madrugadora não trouxe estabilidade ao jogar azul e branco. Anselmi pode protagonizar longos monólogos nas conferências de imprensa, descredibilizando estatísticas, tentando passar a sua verdade, procurando convencer a plateia de que este é o caminho, gesticulando e opinando como um incansável vendedor porta a porta, sempre disponível para nos convencer que aquele é o pacote de internet que nos revolucionará vida. Mas, por largos minutos em Arouca, o FC Porto voltou a ser uma equipa sem futebol ligado, sem capacidade de ter a bola em zonas perigosas, exposta às intenções do adversário. Que não se ajuda a si mesma.

Do lado da equipa de Vasco Seabra, que chegava confiante por ainda não ter perdido em 2025, num total de oito desafios sem derrotas, o coração do jogo tem duas faces. Uma é David Simão, o experiente e lúcido canhoto, a outra é Taichi Fukui, o jovem japonês que é um fantástico projeto de médio-centro construtor. Qualquer um deles foi para o intervalo com mais passes concretizados — 29 o português, 27 o nipónico — do que a parelha de centrocampistas do FC Porto, com Vieira e Varela a ficarem-se, cada um, pelos 22 passes com êxito.

Uma lesão de Rodrigo Mora no aquecimento afastou o adolescente do onze, entrando Eustáquio. A chegada inesperada do canadiano não fez avançar Fábio Vieira, formando uma estrutura de desconfortáveis: Eustáquio estava desconfortável como médio-ofensivo pela direita, posição que prontamente abandonou; Vieira mantinha-se desconfortável longe da área, longe do remate, longe da assistência.

O Arouca somou algumas ameaças, com Dylan Nandín e Jason muito ativos. O elegante espanhol forçou Diogo Costa a duas defesas atentas até ao descanso.

Na ponta oposta, o único remate enquadrado do FC Porto na primeira parte foi mesmo o penálti. Mas houve outra grande oportunidade: aos 28', Samu, isolado por Gonçalo Borges, teve todo o tempo para, só diante de Valido, pensar em como queria fazer o 2-0. Talvez tanto tempo para pensar tenha mesmo sido o grande pecado do espanhol, que se atrapalhou entre o remate e a finta, entre a hipótese de fazer tudo e a realidade de fazer nada, perdendo-se o lance nas mãos do guardião do Arouca.

Diogo Cardoso

Na segunda parte, Anselmi procurou tirar algum desconforto aos seus homens. Assumiu um 5-3-2 mais claro, recuando Eustáquio e dando mais liberdade a Fábio Vieira. A nuance não trouxe um FC Porto arrasador, mas simplificou as coisas e os dragões, com mais consistência defensiva do que no passado recente, foram mantendo a baliza a zeros.

Na defesa dos azuis e brancos esteve Marcano, que jogou pela primeira vez desde setembro de 2023. Aos 37 anos, e depois de quase um ano e meio sem competir, o espanhol trouxe uma serenidade desconhecida ao setor recuado da equipa.

O Arouca foi perdendo qualidade, não tendo qualquer oportunidade depois do descanso para o 1-1. Com Fábio Vieira mais perto do desequilíbrio, os visitantes foram ameaçando, primeiro por Gonçalo Borges, num lance iniciado por Vieira, e depois pelo próprio centrocampista, que acertou na barra.

Tal como diante do Vitória, o melhor momento do encontro foi protagonizado por Fábio Vieira, o craque que não é ajudado pela equipa. É como se o talento estivesse a dar mensagens a Martín Anselmi: condução de bola, chegada perto da área, remate, golo. Subitamente, um criativo encontrou os caminhos que a equipa ainda desconhece. O FC Porto precisa de vitórias para dar estabilidade à revolução que Anselmi procura instituir. Ter Vieira perto do golo é uma boa maneira para a equipa se ajudar a ter esse tempo.