Em 2021, Mick Schumacher pilotou o Jordan 191 em Silverstone. O modelo é de culto: pintado de um verde pantanoso, com um nariz estreito e curvado, uma asa dianteira semelhante a uma espátula e uma asa traseira parecida com uma estante vazia. Na retaguarda, o símbolo da 7UP, um dos carimbos publicitários mais icónicos da Fórmula 1 que só desapareceu quando a Pepsi, outra marca do grupo, decidiu apostar todo o orçamento para patrocínios na tour de Michael Jackson.

A apresentação da viatura, em 1991, não atraiu mais do que 11 pessoas, algo pouco condizente com o sucesso que o produto viria a ter. Eddie Jordan chamou ao evento “um desastre”. Era a primeira vez que a Jordan Grand Prix se apresentava enquanto equipa pronta a competir na Fórmula 1, o que interessava a pouquíssima gente.

Antes do Grande Prémio da Bélgica, Bertrand Gachot foi preso devido a uma altercação que acabou com o piloto a pulverizar um taxista londrino com gás pimenta. A Jordan ficou sem um piloto e Eddie Jordan pôs-se a recrutar. Já tinha Michael Schumacher referenciado, mas não via nele mais do que um “condutor normal” que, apesar de ser “muito bom”, não tinha “nada de excecional”. A avaliação estava condicionada pelos padrões altos de recrutamento. Jordan já tinha trabalhado com Ayrton Senna na Fórmula 3. Ainda assim, mesmo com as carreiras que Schumacher e Senna vieram a ter, preferiu a de Alain Prost.

Michael acabou mesmo por render Bertrand Gachot e a Jordan ficou para sempre associada à estreia na Fórmula 1 do sete vezes campeão do mundo, que rumaria à Benetton. Foi esse momento que, 30 anos mais tarde, Mick recriou. Nas últimas sobras do século XX, o paddock era um sítio distinto do que é hoje em dia. Os pilotos não estavam assombrados por câmaras da Netflix e o negócio geria-se de uma forma diferente.

No meio de tudo, Eddie Jordan era já uma rockstar. Tinha mesmo uma banda, os “Eddie & The Robbers”, dos quais a pesquisa no YouTube começa por mostrar um cover de “Whiskey in a Jar” dos “The Dubliners”. Preservou até morrer, esta quinta-feira, vítima de um cancro na próstata, os óculos que lhe pareciam ter sido emprestados por John Lennon e um certo ar hippie. As notícias do desaparecimento do afamado dirigente da Fórmula 1, comentador televisivo e empresário não têm medo da repercussão do uso da palavra “extravagante” para descrever o irlandês que não foi além dos 76 anos.

“Nunca mais vai haver um Eddie Jordan.” A desmotivação é de Damon Hill, o piloto que deu, em 1998, a primeira vitória (de apenas quatro em 250 corridas) à Jordan. Era a fase dourada da equipa (literalmente, porque o patrocinador mudou e com ele as cores também foram alteradas para tons de vespa). Na temporada seguinte, o momento mais alto: o terceiro lugar no campeonato de construtores, muito por culpa do desempenho do alemão Heinz-Harald Frentzen.

Embora tenha estado apenas 14 anos na Fórmula 1, entre 1991 e 2005, a equipa já competia na década de 80 nos escalões inferiores. Eddie Jordan fundou-a para curar as feridas de piloto frustrado. O grave acidente que sofreu enquanto corria deixou-o no hospital com uma perna partida e traumas. Ele que chegou dos karts à Fórmula 3, decidiu interromper a ascensão.

Eddie Jordan a comemorar a primeira vitória da sua equipa na Fórmula 1
Eddie Jordan a comemorar a primeira vitória da sua equipa na Fórmula 1 Bongarts

Poucos conseguem explicar a maneira como era capaz de obter fundos para concretizar os seus projetos. Era sobretudo sagaz a gerir e potenciar o que tinha. Um empreendedor. Em tempos contou que, enquanto era apenas um miúdo disléxico, comprava e vendia os livros da escola. Sempre segurou a bandeira do self-made man. Aliás, a sua autobiografia chama-se “Um Homem Independente”. E é verdade: quando chegou à Fórmula 1, a marca era ele próprio. Percurso invulgar para um filho de um eletricista e de uma doméstica.

Não lhe faltou muito para ser padre. Nada de inédito numa família que já tinha uma freira, a tia de Eddie. Extremamente ligado aos números, dedicou-se à contabilidade e só depois ao automobilismo. Mal sabia que o jeito para as finanças lhe seria útil para a vida que levaria daí para a frente.

O projeto independente da Fórmula 1 sofreu para sobreviver até que deixou mesmo de o conseguir fazer. Eddie Jordan chegou a pensar que seria compensador oferecer parte da equipa a Ayrton Senna, pois, com o brasileiro, 50% da equipa valeria mais do que 100% das outras. Em 1998, 49,9% da Jordan foi mesmo vendida para desagrado do fundador. Sete anos mais tarde, a restante parte deixou também ela de estar na posse de Eddie.