
O adepto mais atraído pela produção endógena recebe sempre com agrado a notícia da estreia a titular de jovens da academia do clube. Não é por acaso que lhes afaga a moral com a veemência do bater de mãos que implode sentado no seu lugar do estádio. Acredita que com o germinar daquele catraio se reforçam os valores que ele próprio cultiva na bancada.
No Sporting, têm sido alguns os prodígios a despontar, tantos que podia ser criada a Comissão de Jovens do Campo Grande Obrigados a Crescer à Força. O sócio mais recente é Eduardo Felicíssimo, que teve a primeira aparição no onze inicial. Podia definir-se esta agremiação como um conjunto de jogadores prematuros obrigados pelas circunstâncias a surgirem na equipa principal.
Os problemas físicos continuam a sonegar opções a Rui Borges, que tem catalisado o processo de afirmação de alguns diamantes para compor um plantel amarrotado. Para um treinador com pouco mais de três meses de casa, também não deve ser nada fácil. Finalmente, alguém pode dizer com firmeza que pensa jogo a jogo. No Sporting, tem sido realmente difícil saber quem vai estar saudável no dia de amanhã. Perante o rodízio de futebolistas que lhe tem passado pelas mãos, enquanto fazia a antevisão ao jogo contra o Estoril, o transmontano até teve que recorrer à ajuda do assessor de imprensa para se recordar do nome de um jogador que queria mencionar.
Em Alvalade, na jornada 24, Gonçalo Inácio foi homenageado, antes do jogo começar, pelos 200 jogos com a camisola do Sporting. Sendo sempre boa altura para festejar, por esta ocasião, quando é tão raro os leões conseguirem reunir experiência, ainda mais. Instantes a seguir, aos cinco minutos, marcou de cabeça, mostrando que isto de ter uns quilómetros acumulados é mesmo uma vantagem para preservar a liderança de um campeonato como o Sporting fez diante do Estoril (3-1).
Não foi por isso que Eduardo e o superlativo absoluto sintético que o apelida deixaram de crepitar no meio-campo, uns metros mais adiante de Zeno Debast, até porque sobrava pouco mais gente que o pudesse fazer. Estavam colocadas as trancas à porta de uma defesa que teve Ricardo Esgaio como central descaído para a direita.
Jordan Holsgrove foi um descrente da teoria de que dois sistemas iguais se têm que encaixar. O pé esquerdo enciclopédico do escocês, sempre conhecedor da melhor solução, filtrava qualquer atrito que impedisse a fluidez da circulação do Estoril. Os canarinhos passavam então a cobrir o meio-campo ofensivo, acabando chumbados na revisão pela falta de retrovisores.
Por muito que João Carvalho e Guitane servissem de apoio e Begraoui fosse, a espaços, encontrando profundidade onde parecia não existir, os métodos rebuscados da equipa de Ian Cathro esbarravam na frieza do Sporting, com menor domínio territorial, mas mais acutilante. Um futebol tricô contra um futebol agulha que resultou, na primeira parte, apenas num remate perigoso do próprio João Carvalho.
Os leões pouco se expuseram ao risco. Os pontapés de baliza de Rui Silva, ainda que tendo os colegas explanados, eram despejados na dianteira. Garantir a vitória no duelo pelas primeiras bolas nem sempre foi uma garantia para os três centrais do Estoril, à mercê de alguns lapsos. O Sporting poupava-se em artimanhas e, com poucos passes, colocava-se junto à baliza. Joel Robles travou Gyökeres duas vezes só que o dilúvio de chances era tanto que a pedra dura do ataque verde e branco rendeu os defesas a remates que apenas ameaçou fazer e, paciente, enroscou a bola junto ao poste, uma mera passagem sem paragem de um remate indefensável.
O Sporting chegou a ter bons momentos de futebol associativo. Debast bafejou um passe picado para Felicíssimo que reconduziu o ataque para a direita. Fresneda, o lateral mais avançado, serviu Trincão no centro. O trauma da errática finalização desencorajou novos lances deste tipo.
Entretanto, aliaram-se dois fatores. A linha média da equipa verde e branca começou a ser ligeiramente mais audaz no posicionamento. Veja-se que Debast foi mesmo à entrada da área rematar ao poste. Ao mesmo tempo, o Estoril precaveu-se e moderou os riscos.
Nem num dia que se pusera tranquilo e em que, de antemão, se percebeu que dificilmente o Sporting não se separaria do Benfica (com menos um jogo) no topo da classificação, Rui Borges ficou inibido de ver os responsáveis médicos resgatarem Matheus Reis do relvado. Entrou Geny, uma das poucas opções no banco pertencentes à equipa principal.
Ao minuto 78, era legítimo um elemento da segurança se preocupar com uns miúdos a invadirem o relvado. Eram só Henrique Arreiol e José Silva, em estreia. Em matéria de meninez, nada havia a temer. Mais assombrosa foi a situação que se seguiu. Gonçalo Costa invadiu a ala, neste momento à guarda de José Silva, e reduziu. Sobravam alguns minutos, insuficientes para que o Estoril pudesse tentar algo mais, sendo até o Sporting a chegar ao terceiro. Gyökeres bisou através de um penálti, proveniente de um contra-ataque, a imagem que fica de todo o encontro. João Carvalho acabou expulso.
Além das lesões, outro flagelo do Sporting têm sido as expulsões (e foram quatro nos últimos três jogos do campeonato). Como que a querer estabelecer uma relação de causa-efeito, Rui Borges sugeriu que não manchar a exibição de vermelho seria atalho para a vitória. Assim foi, o Sporting manteve-se íntegro e por coincidência ganhou.