O Valência não vive um bom momento, atravessando um período conturbado, com poucas esperanças de melhora no curto prazo. 2024/25 está a ser trágico, não apenas para o clube, mas para região em si, afetada pelo DANA que causou centenas de vítimas mortais e danos materiais incalculáveis. O futebol, nestas situações aflitivas, fica para segundo plano. Contudo, o mesmo obviamente também foi afetado, com uma série de clubes correm o risco de fechar portas, devido às consequências da tempestade. O conjunto do Mestalla não sofreu danos elevados, já que Valência capital não foi das áreas mais afetadas, tratando de ajudar os prejudicados da tragédia, à semelhança do Levante, entre outros.

Porém, voltemos ao futebol. Poucos esperavam uma temporada animada para o histórico espanhol. Longe de ter o status que tinha antes, podia-se aspirar no máximo era a uma temporada tranquila, sem grandes sobressaltos, tal como aconteceu em 2023/24, com o clube a terminar na nona posição da La Liga, com 49 pontos. Imaginar o Valência na disputa pelos lugares de acesso às competições europeias era um cenário irreal.

Peter Lim voltou a manter o seu estilo no verão, pouco ou nada querendo saber da instituição da qual é dono, mais interessado em lucrar do que em ver a equipa a conseguir dar alegrias aos seus aficionados. O mercado correu como o esperado, com poucas entradas, já que o empresário não tem grandes intenções de realizar um investimento pesado. Chegou Luis Rioja (Deportivo Alavés) por um milhão e duzentos mil euros, além das cedências de Dani Gómez (Levante), Rafa Mir (Sevilha), Maximiliano Caufriez (Clermont Foot), Enzo Barrenechea (Aston Villa) e Giorgi Mamardashvili (Liverpool). O georgiano foi o jackpot de Peter Lim, vendido por 30 milhões ao Liverpool, mas colocado de volta no Mestalla. Stole Dimitrievski (ex-Rayo Vallecano) e Germán Valera (ex-Atlético de Madrid) foram reforços a ‘custo zero’. Sejamos honestos, o mercado foi extremamente pobre. Nenhum elemento que reforçou o Valência teria lugar nos planteis da era dourada da instituição (tirando Mamrdashvili, mas o georgiano já estava no clube), onde o quilate era diferenciado. Outros tempos.

O único ponto que captava a atenção de Peter Lim era terminar a balança de transferências com um saldo positivo e isso aconteceu, com um lucro de mais de 28 milhões de euros. Em setembro todos os adeptos reconheciam que a janela tinha corrido mal e que eram necessários outro tipo de jogadores para se olhar para a equipa como candidata a algo que não fosse a manutenção. A propriedade está-se ‘completamente marimbando’ para a opinião dos aficionados, que tratam de organizar várias manifestações contra Peter Lim, exigindo que o próprio venda o clube, algo que ainda não aconteceu, embora existam rumores que há interessados. São constantes os gritos contra a direção durante os encontros, comentados nas televisões e nas rádios, sendo um ponto comum que o empresário só faz mal ao histórico dirige (e não é assim tão fácil no mundo do futebol uma opinião formar uma maioria assim tão sólida).

A grande esperança estava na capacidade do plantel se suplantar e em Rubén Baraja, antiga glória que se mantinha como treinador principal. Porém, 2024/25 trouxe a lição de que não existem milagres todos os dias. A equipa conta com demasiados jovens e a falta de liderança tem-se feito notar, especialmente com a ausência de José Luis Gayà, capitão de equipa que esteve parado algumas semanas. Não há um nome que comande a defesa, por exemplo. Cristhian Mosquera e César Tárrega são jovens e não conseguem resolver os problemas do setor defensivo, faltando uma voz de comando, como era a de Gabriel Paulista, que estava longe de ser um craque, mas tinha o seu papel. Na frente de ataque Hugo Duro não consegue demonstrar a veia goleadora de outras temporadas, o que ainda dificulta mais a situação, mantendo-se sem rival à altura, por Rafa Mir chegou com expetativas, mas foi mais notícia pelo que alegadamente fez fora do campo do que propriamente dentro dele.

Não se pode negar que o Valência é um viveiro de talentos, mas um projeto não se pode construir apenas sobre isso. A equipa B não é a solução para tudo e nem todos os jogadores de cada fornada têm a capacidade de atuar na turma principal. Se é possível promover alguns elementos em cada temporada, é um absurdo pensar que todos podem ser atletas de A, sendo isto um prolongável todas as instituições. Retirando o Barcelona da equação, é a turma ché a que tem a média etária mais jovem da La Liga, com um valor de 24,2 anos.

Rubén Baraja perdeu a varinha de condão, passando a ser mais um problema do que uma solução. O antigo médio nunca tinha demonstrado capacidades de estar na La Liga nos trabalhos que realizara anteriormente, mas o trabalho em Valência estava a ser satisfatório. Porém, o seu efeito passou, algo que era expectável e que acontece quando um treinador é forte no discurso e na mensagem a passar, mas ao nível tático e de inovação fica a desejar. Nesre penúltimo aspeto sempre foi mediano para mau, sendo a sua grande capacidade a motivação, além de o respeito que o balneário detinha por ele, ainda para mais um vestuário recheado de jovens que cresceram a ouvir histórias sobre o meio campo partilhado entre David Albelda e Rubén Baraja. Foram apenas quatro triunfos em 19 encontros, sendo substituído por Carlos Corberán, que ainda não pode ser avaliado, embora seja de lhe enaltecer a coragem de assumir esta pasta.

Atualmente o Valência está na última posição do campeonato, com 12 pontos somados e a quatro pontos da linha de água. Esta classificação é fruto do trabalho pobre de Peter Lim e da existência de um balneário arrasado ao nível psicológico, depois de meia época para esquecer e de um ambiente insuportável dentro do clube. Mesmo com a chegada de Carlos Corberán, que pode trazer o efeito da ‘chicotada psicológica’, sabemos já de antemão que a longo prazo a tragédia está para chegar e que a descida de divisão poderá ser uma realidade, caso tudo se mantenha igual.

O mercado de janeiro tem trazido alguns rumores dos lados do Mestalla (Peter Lim não quererá a equipa na La Liga 2, já que aí existiria um prejuízo ainda maior, com a dívida do clube a ser já um problema suficiente, ainda para mais com a continuação da construção do Nou Mestalla, idealizado por Juan Soler, que tinha o sonho luxuoso de albergar uma final de Champions League), mas nunca se falam em alvos potentes, estabelecidos no futebol mundial, bem longe disso. Umar Sadiq já foi confirmado como reforço, mas vem de uma passagem terrível pela Real Sociedad, marcada por lesões e por poucos golos, depois de ter custado 20 milhões de euros. O nome de Iván Fresneda tem sido associado. Embora seja um nome promissor, estamos a falar da terceira opção para a lateral direita do Sporting. Além disso, a mudança nunca seria em definitivo.

Também Kosta Nedeljkovic foi apontado (19 anos, igualmente lateral direito, que veste a camisola do Aston Villa). Serão estes os reforços indicados para retirar a instituição do estado em que está e evitar a despromoção? Se em outras equipas se pode pensar em trabalhar jogadores, neste exemplo querem-se resultados no imediato e os mesmos não são feitos com apenas jovens promessas, ou com atletas que procuram relançar as suas carreiras. Para que chegasse o lote de reforços indicado, seria necessário que Peter Lim investisse dezenas de milhões de euros, algo para o qual não está obviamente disponível, mesmo ‘rezando’ para que o desígnio da manutenção seja cumprido.

Olhando ‘meio que a nu’, sem uma análise profunda, o Valência possui um plantel com maior qualidade que os seus rivais na luta pela manutenção: Real Valladolid, Espanyol, Getafe, Deportivo Alavés e Leganés. Contudo, indo mais a fundo, a situação dos seus ‘inimigos’ é melhor, com exceção ao Real Valladolid, que deverá estar ‘condenado’. O Deportivo Alavés trocou de treinador e está a melhorar pouco a pouco. O Getafe tem em José Bordalás o seu trunfo e o treinador é um especialista em surpreender a crítica. Já o Leganés está a cumprir com o esperado, não se lhe pede mais do que estar a competir para estar acima da linha de água. Apenas o Espanyol está mais próximo do Valência, dada a falta de investimento, mas ainda assim dá para confiar mais nos catalães do que nos ché. Com isto quer-se demonstrar que o plantel está longe de ser tudo neste tipo de batalha, com a confiança e a capacidade de equipa técnica a serem fundamentais. Além disto, todas estas equipas (com exceção quiçá do Alavés), sabiam que iam estar envolvidas na luta pela manutenção.

A equipa do Valência tem nomes interessantes como Javi Guerra, Pepelu, Diego López ou Hugo Duro, mas neste ambiente não é possível obter rendimento, sendo que vários se encontram a regredir na sua evolução, porque não conseguem desenvolver as suas caraterísticas e possivelmente não contam com o acompanhamento correto, num ambiente longe de ser o ideal. Olhamos para o vizinho Villarreal e há nomes que saltam à vista, como Dani Parejo (dispensado do Valência por Peter Lim) ou Raúl Albiol. Os jovens olham para estes atletas e sabem que estão ali dois exemplos, dois nomes consagrados e com quem podem aprender e crescer na sombra. No Mestalla isto não é possível. Como referi anteriormente há Gayà, mas o lateral esquerdo não pode comandar este barco sozinho.

Esta é a nova realidade do Valência. Se outrora o Mestalla era uma deslocação temida, hoje em dia alberga uma equipa que é candidata à despromoção, por culpa do próprio chefe. Chegou-se a um ponto sem retorno e o estado do clube só vai melhorar com uma remodelação total. A estrutura está podre, a presidente do clube tem poucos conhecimentos sobre o mundo do futebol e os jogadores estão mentalmente arrasados. Numa região que não merece o que lhe tem acontecido nos últimos meses, a equipa ché poderia ser uma alegria, um motivo de felicidade, a causadora de bons momentos durante duas horas no fim de semana, mas tem sido tudo o contrário. Caso não existam mudanças, o caminho será sempre a descer.

Os adeptos do Valência não merecem o que está a acontecer em 2024/25, porque se encontram a lutar pela equipa, exigindo a saída de quem está a mais e não ajuda ao progresso. A massa associativa é forte, mas não é suficiente influente para poder amparar o que está a acontecer (dado o estado anímico), com derrotas atrás de derrotas.

Por muito que o Valência consiga a salvação (algo que dependerá muito do efeito de Corberán no plantel), o verão de 2025 será uma cópia dos outros. Estrelas a saírem e reforços de nível curto, o que torna o histórico espanhol cada vez mais um eterno candidato à descida, que mais tarde acabará por acontecer, como se viu no caso do Deportivo de La Coruña, que se ainda encontra a recuperar de uma descida aos infernos.

Além disso, sabemos que Peter Lim se gosta de envolver na questão desportiva, de ter o poder. Com Jorge Mendes ao lado, numa espécie de diretor desportivo nas sombras, a situação esteve controlada, mas por pouco tempo. A dupla Mateu Alemany – Marcelino García Toral fez um excelente trabalho e podiam ter levado o Valência ao estatuto com que já contou. Terminaram demitidos pelo empresário asiático. Quem nos garante que não acontece o mesmo com Carlos Corberán se tudo corre bem?

A segunda metade de 2024/25 apresenta-se como fundamental para a história do Valência, pouco mais de 10 anos após a compra do histórico clube por Peter Lim. O vilão já sabemos quem é. A pergunta que se impõe é: haverá um herói?