Nas profundezas do oceano Pacífico, há metais preciosos cobiçados pela indústria,essenciais para a transição energética. Cientistas e ambientalistas alertam para os riscos da exploração num ecossistema frágil. Uma recente descoberta, o chamado "oxigénio escuro", reacendeu o debate, ao mesmo tempo que a ONU tenta finalizar um código de mineração submarina para regular esta atividade controversa.

"Oxigénio escuro": uma descoberta contestada

Existe um "oxigénio escuro" produzido por pedras metálicas nas profundezas do oceano? Em julho de 2024, a Associação Escocesa de Ciências Marinhas (SAMS) anunciou, num estudo publicado na revista Nature Geosciences. liderado pelo ecologista Andrew Sweetman,“uma descoberta em águas profundas que põe em causa as origens da vida”.

A descoberta entusiasma as organizações ambientalistas, que veem nela um argumento contra a mineração no fundo do mar. No entanto, a comunidade científica está longe de chegar a um consenso.

A equipa defende que, na escuridão do Oceano Pacífico, a 4 mil metros de profundidade, seixos ricos em metais geram eletricidade suficiente para provocar a eletrólise da água, libertando hidrogénio e oxigénio.

Se confirmada, a descoberta colocaria em causa a ideia tradicional da origem da vida, tornada possível graças à produção de oxigénio pela fotossíntese pelas cianobactérias, há 2,7 mil milhões de anos.

Mas também levanta questões sobre o impacto da mineração submarina num ecossistema ainda desconhecido e complica o debate sobre o futuro Código Mineiro que a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA)quer finalizar este ano e que está a ser discutido numa reunião na sede da Autoridade em Kingston, Jamaica.

Ecossistema frágil sob pressão da mineração

Para a Greenpeace, esta “incrível descoberta” sublinha “a necessidade de pôr fim à mineração dos fundos marinhos profundos”, pelos “danos” que esta atividade pode causar a este “delicado ecossistema”.

O "oxigénio escuro" foi detetado na zona de fratura geológica Clarion-Clipperton, entre o México e o Havai, a região mais cobiçada pela indústria mineira devido às suas grandes reservas de nódulos polimetálicos, ricos em manganês, níquel e cobalto.

Os nódulos polimetálicos, recolhidos no fundo do oceano, estão em água do mar simulada no laboratório do químico Franz Geiger, na Universidade Northwestern.
Os nódulos polimetálicos, recolhidos no fundo do oceano, estão em água do mar simulada no laboratório do químico Franz Geiger, na Universidade Northwestern. Franz Geiger

Críticas, dúvidas e falta de consenso científico

A empresa canadiana The Metals Company, que financiou parte do estudo de Sweetman, pretende começar a exploração em 2026. No entanto, criticou o trabalho de Sweetman pelas suas “falhas metodológicas”.

Vários cientistas partilham as mesmas reservas.“Não apresentou provas claras das suas observações e da sua hipótese. Muitas questões permanecem sem resposta após a publicação”, disse à AFP Matthias Haeckel, biogeoquímico do Centro alemão de Investigação Oceânica GEOMAR Helmholtz.

Olivier Rouxel, do instituto francês Ifremer, reforça: “não há absolutamente nenhum consenso sobre estes resultados”.

“A amostragem no fundo do mar é sempre um desafio”, sublinha o cientista, para quem a produção de oxigénio medida pela equipa de Sweetman pode dever-se a “bolhas de ar presas no instrumento de medição".

Projeto de código de mineração submarina

Em negociações há mais de 10 anos, o futuro "código de mineração submarina", destinado a enquadrar a exploração mineira submarina em alto mar, está novamente em discussão. Sob pressão da indústria, espera-se que da reunião desta semana na sede da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA)em Kigston, Jamaica, saia a sua conclusão e adoção ainda este ano.

A ISA, criada em 1994 sob a égide da ONU, tem vindo a negociar desde 2014 estes futuros regulamentos para a exploração industrial dos recursos do fundo oceânico sob a sua jurisdição (apenas águas internacionais). Uma tarefa gigantesca que se acelerou sob a pressão da indústria. A empresa canadiana The Metals Company planeia apresentar o primeiro pedido de contrato de exploração em junho através da sua subsidiáriaNori (Nauru Ocean Resources Inc.).

Princípios

De acordo com o duplo mandato concedido pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), o código mineiro deve organizar a exploração dos minerais cobiçados (cobalto, manganês, níquel, etc.) e proteger o ambiente, num contexto de grandes lacunas científicas em ecossistemas inacessíveis.

Objetivos inconciliáveis ​​​​para os defensores dos oceanos, que apelam a uma moratória à exploração.

Na ausência de consenso, as negociações continuam.

O Conselho da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), o órgão executivo constituído por 36 dos 169 Estados-membros, vai analisar a questão estas duas semanas, com base no texto que já existe de 250 páginas - "páginas cheias de parêntesis, frases riscadas e comentários sobre divergências, a que se juntam dezenas de alterações apresentadas por Estados, empresas e ONG", segundo a AFP.

“Contamos no texto mais de 2.000 elementos ainda em debate”, disse Emma Wilson, do grupo de ONG Deep Sea Conservation Coalition, muito cética quanto à capacidade de alcançar a finalização em 2025, conforme planeado.

Processo

Como acontece com qualquer contrato de exploração, uma entidade que pretenda obter um contrato de exploração deve ser patrocinada por um Estado.

A Nori, que espera explorar nódulos polimetálicos (seixos ricos em metais estratégicos) numa zona do Pacífico a partir de 2026, é patrocinada por Nauru, um pequeno Estado insular na Oceânia.

De acordo com as linhas gerais do texto, a análise do plano operacional passaria primeiro para as mãos da comissão jurídica e técnica da ISA, acusada pelas ONG de ser pouco transparente e bastante pró-indústria.

Analisando os pontos fortes e fracos do plano (capacidades técnicas e financeiras, exequibilidade, precauções ambientais, etc.), a comissão faria uma recomendação ao Conselho responsável pela tomada da decisão final.

Mas alguns receiam que as regras já existentes na UNCLOS tornem difícil reverter uma recomendação favorável da comissão, sendo necessária uma maioria de dois terços do Conselho. O texto atual prevê uma duração inicial de 30 anos para os contratos operacionais, seguida de prorrogações renováveis ​​de cinco anos.

Proteção ambiental

A empresa candidata terá de realizar uma avaliação dos possíveis impactes ambientais da sua atividade. A ideia geral é limitar estes impactos para melhor proteger o ambiente, mas os detalhes ainda estão longe de estar definidos.

Os negociadores dividem-se na escolha e até na definição de termos básicos, como “efeitos adversos” ou “impacto grave”.

As ONG e cada vez mais Estados sublinham que o próprio princípio da avaliação dos potenciais impactes é impossível devido à falta de informação científica.

Para além dos ecossistemas, os Estados insulares do Pacífico, particularmente ligados à natureza sagrada dos oceanos, insistem em referências à proteção do “património cultural subaquático”.

Os desafios da fiscalização e do cumprimento das regras

A fiscalização da mineração submarina é um dos pontos em discussão. O texto em cima da mesa prevê um sistema de inspeções e de avaliação do cumprimento dos compromissos da empresa exploradora.

Mas as atividades "ocorrem a milhares de quilómetros da costa, a grande profundidade e num ambiente hostil", sublinha Emma Wilson, da ONG Deep Sea Conservation Coalition, que duvida da capacidade de monitorizar os impactos ambientais.

Quem lucra com a mineração dos oceanos?

Segundo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, os recursos do fundo oceânico são património comum da humanidade. Assim, as empresas mineiras devem pagar royalties à ISA, mas a percentagem e os prazos são alvo de disputa.

A proposta atual menciona valores entre 3% e 12%, enquanto os países africanos defendem um mínimo de 40%. A falta de consenso continua a adiar a aprovação definitiva do código mineiro.