O isolamento, o ritmo e a qualidade de vida locais são fatores decisivos para o número excecional de centenários que a zona regista - 33.6 por cada 100 mil habitantes, o dobro da média europeia. O fenómeno de longevidade está a atrair à região investigadores de várias partes do mundo.
Luigi Carta fez no verão passado 100 anos. Até há poucos meses ainda tinha carta de condução e ia sozinho de carro até à horta. Tratava dos legumes, das amendoeiras, da vinha e das abelhas. As ocupações de uma vida inteira de trabalho no campo.
Não casou nem teve filhos, mas os sobrinhos visitam-no todos os dias e ao domingo almoça com eles. Come de tudo, mas pouco. Orgulha-se de não tomar medicamentos e confessa um único vício: meio copo de vinho ao jantar.
É pela rádio que se mantém a par dos acontecimentos do mundo.
“Ouço notícias sobre a América e sobre a guerra na Ucrânia. Os russos gostam de ocupar países independentes”.
Todos os dias, depois do calor e da sesta, o centenário senta-se no miradouro da aldeia para dois dedos de conversa, com as montanhas em fundo.
Todos nascidos em 1922
Luigi Carta vive em Seulo, uma pequena aldeia da província da Sardenha do Sul, onde havia, até 2022, sete centenários entre os 790 habitantes. Um recorde mundial acrescido de uma particularidade: com uma exceção, tinham nascido todos em 1922 - pós segunda guerra mundial e epidemia espanhola.
O autarca de Seulo explica à SIC que “a longevidade mais extrema produz um centenário por cada 70 habitantes" e acrescenta orgulhoso que "Seulo tem 14,28 centenários por cada 100”.
Montanhas da Sardenha atraem investigadores
O fenómeno de longevidade, registado em sete localidades das montanhas da Sardenha está a atrair à região diversas equipas de investigadores.
Uma delas é liderada por Gianni Pez, médico e investigador da universidade de Sassari, na Sardenha, e um dos criadores do conceito das Zonas Azuis, um termo não científico que designa cinco lugares com registos excecionais de longevidade: a Península de Nicoya na Costa Rica, a região montanhosa de Loma Linda, nos Estados Unidos e as ilhas de Okinawa, no Japão, Icária, na Grécia, e a Sardenha, em Itália - a primeira zona azul a ser identificada.
Gianni Pez explica à SIC que os investigadores iniciaram na população de Seulo um estudo com várias variáveis: alimentação, macrobiota - bactérias do intestino - e epigenética.
"Estes são os instrumentos que nos ajudam a identificar a idade biológica de um indivíduo, estudando a mutilação do DNA".
O investigador acredita que estas variáveis serão fundamentais para chegar às causas da longevidade local.
A rivalidade entre Seulo e Perdasdefogu
Com oito centenários entre os 1780 habitantes, Perdasdefogu, na província de Ogliastra - vizinha da Sardenha do Sul - é uma das localidades do interior montanhoso com mais casos de longevidade. Mas as autoridades locais nunca entregaram ao Observatório das Zonas Azuis a documentação solicitada e a pequena cidade não tem certificação.
Há anos que os habitantes alimentam uma rivalidade com Seulo. Mesmo sabendo que a aldeia da província vizinha é imbatível na proporção de centenários por número de habitantes.
O grande orgulho de Perdasdefogu assenta por isso no "Recorde Mundial de Longevidade Familiar”, atribuído pelo Guinness em 2012, quando a soma das idades dos nove irmãos de uma família local ultrapassou os 800 anos.
Uma família de centenários
A mais velha dos irmãos Meli, Consolata, morreu em 2015 com 108 anos. Claudina partiu um ano depois, com 103. Maria morreu com 102 Concetta com 100, Adolfo com 99 e Antonio com 97. Os quatro mais novos, todos com mais de 100 anos, vivem com os filhos em Cagliari, a capital da Sardenha.
Uma noite, a população de Perdasdefogu junta-se na Praça da Longevidade para assistir a uma estreia teatral. Annunziata já marca lugar na primeira fila. O filho só entra em cena na segunda parte, mas a centenária chegou cedo para assegurar um bom lugar nesta comédia de costumes. Aos 102 anos, ainda gosta de dançar e começou o dia na festa de uma aldeia vizinha.
Annunziata vive com o filho, a nora e os netos e é com eles que faz quase diariamente um programa cultural, numa localidade conhecida pelo festival literário que todos os anos traz a Perdasdefogu escritores de todo o mundo. O filho da centenária, Mário Lai, conta à SIC que Annunziata come de tudo e sempre pouco.
"Cresceu numa família pobre e passou fome. Mesmo agora, que pode, não gosta de comer muito".
Gianni Pez confirma que comer pouco e bem é fundamental para garantir a longevidade, que está pouco dependente de fatores genéticos.
A alimentação e a atividade física
"Acreditamos que 90% da variabilidade depende da alimentação e da atividade física. A maior parte destas pessoas eram pastores e andavam muitos quilómetros por dia, com as cabras e ovelhas, a subir e a descer montanhas".
O investigador soma mais duas causas: o acompanhamento familiar e as interacções sociais. "Aqui os idosos sentem-se úteis e acompanhados, e isso faz toda a diferença".
Annunziata perdeu 80% da visão, mas ainda cozinha. Diz que usa os outros sentidos e a memória. Hoje vai fazer gnocchi de batata para o almoço. Os ingredientes vieram todos da horta da família.
Quando lhe perguntamos qual o segredo da longevidade, não hesita: "Devemos andar tranquilos, falar uns com os outros, e saber ouvir, sem conflitos."
Ficha Técnica:
Jornalista: Susana André
Imagem e Drone: Joel Santos e Magali Tarouca
Repórter de imagem: João Pedro Fontes
Edição de Imagem: Tomás Pires
Grafismo: Paulo Alves
Colorista: Rui Branquinho
Pós-produção Áudio: Edgar Keats
Produção: Ana Marisa Silva
Coordenação: Marta Brito dos Reis
Direção: Bernardo Ferrão