Volodimir aguarda pela segunda cirurgia. Oriundo da aldeia de Komar, região de Donetsk, localizada a menos de 10 quilómetros da linha da frente, chegou ao hospital há quatro dias com Gangrena de Fournier – um tipo de doença que devora a carne, e que devia ter sido tratada muito mais cedo.

“Deixei de conseguir andar, o meu vizinho teve de me levar para o hospital. Já devia ter vindo há um mês, mas simplesmente não conseguia”, conta Volodimir. “A nossa aldeia é um inferno, agora. A rua está toda destruída, toda a gente se esconde nas caves. Assim que parece que acalmou, os bombardeamentos começam de novo.”

Consequências de um tratamento atrasado

Pacientes com doenças negligenciadas, como Volodimir, são comuns neste hospital, que é a instalação médica mais próxima da linha da frente no Leste da Ucrânia a providenciar cuidados secundários. Está localizada na interseção de três regiões com combates ativos, que recebem um elevado fluxo de pessoas à procura de serviços de saúde.

A Médicos Sem Fronteiras (MSF) apoia a ala de emergências do hospital e o teatro de operações. Além disso, leva a cabo encaminhamentos de pacientes que necessitam de ser observados por cirurgiões altamente especializados, mais longe das linhas da frente. Isto ajuda a aliviar o fardo da instalação, mas chegam constantemente novos paciente com novas complicações.

À receção, são recebidas pessoas vindas de zonas como Donetsk, Dnipropetrovsk e Zaporijjia, onde os ataques não cessam. As condições de vida são difíceis – abrigados quase sempre em caves, os pacientes não têm acesso a medicamentos e cuidados médicos, ou a alimentos e artigos de higiene.

Os combates mais intensos prosseguem na região de Donetsk, onde a linha da frente continua volátil e devastadora para muitas vilas e aldeias encurraladas pela guerra. Os pontos principais do conflito situam-se em Pokrovsk, Kurakhove e Chasiv Iar. Nestas áreas, os hospitais tiveram de ser evacuados, deixando os residentes sem outra escolha: viajar longas distâncias para obter cuidados médicos. As estradas estão frequentemente repletas de restos de armamento, alguns dos quais podem conter aparelhos por explodir, o que torna estas viagens ainda mais arriscadas. Como resultado, muitas pessoas adiam procurar serviços de saúde e o seu estado piora.

“Já recebemos um paciente que tinha uma peritonite há três dias [inflamação da parede interior do abdómen], então tivemos de levá-lo para o teatro de operações imediatamente”, recorda o responsável pelas atividades médicas da MSF, Khassan El-Kafarna. “As pessoas têm um acesso limitado a cuidados de saúde, e nós vemos como isso as afeta. Há imensos pacientes com doenças não-transmissíveis em estado grave: crises de hipertensão, tromboses, doenças cirúrgicas negligenciadas.”

Khassan prepara-se para realizar a cirurgia. Lava minuciosamente as mãos, limpa as unhas com uma escova e coloca as luvas. Uma enfermeira ajuda-o a vestir a bata cirúrgica. Volodomir, na mesa de operações, já recebeu a anestesia. Khassan e os seus assistentes estão prontos para iniciar o procedimento.

Apesar de não existir necessidade urgente, Khassan trabalha com uma lanterna frontal, mesmo com a iluminação especial a funcionar plenamente na sala de operações – mas está habituado a tê-la, só para o caso de ser necessário. Devido aos ataques a infraestruturas de energia, os cortes de eletricidade são frequentes e dão-se inesperadamente. O hospital tem geradores, mas os cirurgiões não podem ver o seu trabalho interrompido pelo escuro.

Yuliia Trofimova

Os profissionais do hospital são bastante ágeis quando há necessidade de ligar os geradores, pois habituaram-se aos cortes constantes de energia. Porém, ainda ocorrem atrasos e dificuldades. Os hospitais devem manter reservas de combustível suficientes e, embora a MSF preste apoio com algumas doações, isto continua a ser um desafio adicional na prestação de cuidados médicos. "Nesses momentos, os elevadores não funcionam. Temos de levar os pacientes até à sala de cirurgia em macas", explica Khassan.

Apoiar hospitais na Ucrânia

Outro tipo de pacientes que chegam às equipas da MSF perto da linha da frente são os feridos de guerra, que sofrem frequentemente traumas decorrentes de bombardeamentos, minas terrestres e de estilhaços.

“Algumas destas pessoas enfrentam múltiplos traumas em várias partes do corpo, incluindo na cabeça, no abdómen, no peito e nos tecidos. Muitos dos pacientes até têm feridas expostas”, explica Khassan.

Os pacientes feridos de guerra também não procuram cuidados médicos logo após sofrerem o trauma. “Já estamos a lidar com feridas infetadas. Os pacientes não conseguem ser ajudados durante imenso tempo e, depois, vêm ter connosco em estado avançado de sépsis”, sublinha Khassan. “Só neste último mês, tratámos sete pacientes com este tipo de complicações”.

Yuliia Trofimova

A MSF continua a apoiar instalações médicas próximas das zonas de combate ativo na Ucrânia. As equipas médicas da organização trabalham em hospitais na região de Dnipropetrovsk e na cidade de Kherson. Em 2024, assistiram e realizaram 1.149 cirurgias e prestaram apoio a 435 pacientes em unidades de cuidados intensivos.

Na cidade de Kherson, as equipas da MSF também providenciam cuidados cirúrgicos e de trauma.

Yuliia Trofimova

A operação de Volodimir demorou menos de uma hora. Não é a primeira cirurgia a que teve de ser submetido.

“Quando chegou ao hospital pela primeira vez, estava anémico e em choque séptico. Já nos livrámos da fonte da infeção, mas ele necessita definitivamente de cuidados terciários. Temos de estabilizá-lo antes de o encaminhar para uma instalação especializada, porque ele vai precisar de um cirurgião plástico, um urologista e de ser internado nos cuidados intensivos”, conclui Khassan.

Os enfermeiros terminam os curativos e Volodimir é transferido para os cuidados intensivos. Espera-lhe um longo caminho de recuperação. Apesar do seu estado e da linha da frente se aproximar cada vez mais da aldeia onde vive, Volodimir diz-nos que o que mais quer é voltar para casa.