"Nos últimos dias, 2.000 corpos foram recuperados das ruas de Goma e 900 estão na morgue", disse a vice-chefe da missão da ONU na RDCongo, Vivian van de Perre, numa conferência de imprensa por vídeo a partir daquela cidade, acrescentando que o número de mortos pode aumentar.

O grupo rebelde Movimento 23 de março (M23) e as tropas ruandesas, após a tomada de Goma, lançaram hoje uma nova ofensiva no leste da RDCongo.

Depois de ter tomado a capital da província de Kivu do Norte na semana passada, o M23 decretou unilateralmente um cessar-fogo humanitário que deveria ter entrado em vigor na terça-feira e acrescentou que não tinha "qualquer intenção de tomar o controlo de Bukavu ou de qualquer outra cidade".

Mas, na madrugada de hoje, combatentes do grupo rebelde e soldados ruandeses iniciaram intensos combates contra as forças armadas congolesas na província vizinha de Kivu do Sul.

De acordo com fontes de segurança e humanitárias, apoderaram-se rapidamente da cidade mineira de Nyabibwe, a cerca de 100 quilómetros de Bukavu e a 70 quilómetros do aeroporto provincial.

"Esta é uma prova clara de que o cessar-fogo unilateral decretado foi, como sempre, uma farsa", disse à agência de notícias France-Presse (AFP) o porta-voz do Governo congolês, Patrick Muyaya.

Em mais de três anos de conflito, o exército congolês, que tem a reputação de ser mal treinado e afetado pela corrupção, tem vindo a regredir constantemente. Foram acordados meia dúzia de cessar-fogos e tréguas, mas nunca foram respeitados.

Os confrontos já tinham eclodido na semana passada no Kivu do Sul, mas nos últimos dias registou-se uma acalmia. De acordo com fontes locais e militares, esta pausa foi utilizada por ambas as partes para reforçar forças e equipamento.

A comunidade internacional e os países mediadores, como Angola e o Quénia, estão a tentar encontrar uma solução diplomática para a crise, temendo um conflito regional.

Segundo fontes diplomáticas, o avanço do M23 e das tropas ruandesas poderia enfraquecer o Governo do Presidente democrático-congolês, Félix Tshisekedi, no poder desde 2019 e reeleito para um segundo mandato em dezembro de 2023.

Kinshasa instou a comunidade internacional a sancionar Kigali.

"Vemos muitas declarações, mas não vemos qualquer ação", lamentou hoje a ministra dos Negócios Estrangeiros da RDCongo, Thérèse Kayikwamba Wagner.

Félix Tshisekedi e o seu homólogo ruandês, Paul Kagame, deverão participar numa cimeira extraordinária conjunta da Comunidade da África Oriental (EAC) e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) em Dar es Salaam, no sábado.

O Conselho dos Direitos Humanos da ONU deverá reunir-se de emergência na sexta-feira, a pedido de Kinshasa, para debater a crise. O Gabinete do Procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI), que investiga os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade, declarou hoje estar a "acompanhar de perto" a situação na RDCongo.

Vários países vizinhos já indicaram que estão a reforçar as suas defesas.

O exército do Uganda excluiu hoje a possibilidade de enviar mais soldados para a vizinha RDCongo devido à intensificação do conflito.

"Não temos planos para enviar mais tropas", disse à agência de notícias EFE o porta-voz das forças armadas ugandesas, Felix Kulayigye, desmentindo notícias nas quais eram citadas fontes diplomáticas e da ONU em que se dava conta do envio de mais mil soldados do exército ugandês, aliado das tropas congolesas, para a linha da frente.

Nesta região marcada por décadas de conflito, Kinshasa acusa Kigali de querer pilhar os numerosos recursos naturais.

O Ruanda nega e afirma que pretende erradicar os grupos armados, nomeadamente os criados pelos antigos líderes hutus do genocídio tutsi de 1994 no Ruanda, que considera uma ameaça à sua segurança.

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