Traduzir o mais recente consenso científico em recomendações claras, uniformes, e facilmente acessíveis para os médicos. É o destilar possível do papel das guidelines, que em português podem ser traduzidas como diretrizes ou linhas orientadoras. “São muito importantes porque refletem a melhor informação científica disponível para uma decisão mais correta”, sintetiza o diretor do serviço de oncologia do Hospital de Santa Maria, Luís Costa.

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TENHO CANCRO. E DEPOIS?
A SIC Notícias e o Expresso lançaram um site — Expresso

Para o oncologista estas recomendações “são um suporte nas reuniões multidisciplinares”, nas quais pretende-se apontar a melhor decisão para cada doente.“Integram a evidência para a intervenção de cada uma das especialidades: cirurgia, oncologia médica, radioterapia, anatomia patológica, radiologia, entre outras” além de funcionarem como “referência para todos os centros de tratamento”. Luís Costa elabora: “Tivemos a oportunidade de publicar um estudo em 2023 que comparou sete instituições hospitalares que tratavam doentes com cancro, sendo bastante concordante entre as diferentes instituições. Em termos de performance, em regra, o cumprimento atingia os 90 % dos indicadores.” Entre “as áreas de maior dificuldade na aplicação” encontram-se aquelas “em que a medicina tem menos certezas na sequência dos tratamentos a oferecer”.

Treinado para decidir

“É possível”, acrescenta o médico oncologista do IPO Porto, Nuno Sousa, “em alguns temas ou dimensões de cuidados, encontrar valorizações diferentes da mesma fonte de evidência e daí resultar nuances ao nível das recomendações”, pelo que “a transposição [das guidelines] para a prática clínica é condicionada pela valorização crítica e independente que o clínico e cada equipa clínica faz desses documentos”. Lucília Salgado, diretora clínica do IPO Lisboa, lembra que “as guidelines não são leis, nem o pretendem ser”. Dentro duma “mesma patologia, podem existir várias” linhas orientadoras, clarifica, com a certeza que “a prática médica pode seguir as guidelines, mas também pode não as adotar, o que por vezes se relaciona com a complexidade das situações clínicas que não se encaixam num formato fixo e igual para todos”. Quando a resposta para um determinado contexto não é evidente, “o médico é treinado para saber decidir o que melhor se enquadra ao caso clínico do doente, ponderados múltiplos fatores e múltiplas opções” além das recomendações, que estão em constante atualização.

Processo que em Portugal tem o contributo decisivo da Sociedade Portuguesa de Oncologia. O presidente, José Luís Passos Coelho, revela que há “neste momento grupos de trabalho a rever guidelines de testes médicos e de cancro hereditário”. “Nós não precisamos de inventar a roda, não temos o luxo nem a necessidade de o fazer”, afirma em referência à adoção das normas internacionais como recomendações.

De acordo com o Infarmed, em 2023 houve 235 processos de financiamento público de medicamentos aprovados, que levaram uma média de 318 dias a serem avaliados. Portugal apresentou uma taxa de disponibilidade de 83 medicamentos inovadores, acima da média europeia de 72 fármacos, segundo o estudo Patients W.A.I.T., promovido pela Federação Europeia de Indústrias e Associações Farmacêuticas.

Mas no período entre a autorização da Agência Europeia de Medicamentos para a entrada no mercado de um medicamento e a sua acessibilidade, Portugal é o quinto pior país do grupo analisado, com 710 dias de intervalo. Importa "trabalhar para reduzir os prazos para o mínimo necessário”, de modo a que os “doentes possam beneficiar” o mais depressa possível de um novo medicamento eficaz, considera José Luís Passos Coelho. Sem esconder a “sensação” que “atualmente o processo é mais célere do que era”.


“Não estamos a fazer experimentação humana”

Ana Varges Gomes
Oncologista

Qual é a importância das guidelines no combate ao cancro?

Garantem que toda a evidência científica está posta de forma esquemática para ajudar na decisão. Mas há casos em que podem não ser aplicadas, não são obrigações.

Há diferenças na aplicação das linhas orientadoras?

As guidelines são iguais para todos, assim como aprovação de medicação. A sequenciação terapêutica já depende mais de médico para médico. Quanto a medicamentos que não estão nas linhas orientadoras, temos que garantir que não estamos a fazer experimentação humana.

É preciso haver mudanças para acelerar aprovações?

Já há algumas coisas que se está a tentar melhorar porque os médicos passam a vida a preencher papéis. Temos que desburocratizar estes pedidos de medicação. Era bom que fosse uniforme para todos, perdíamos menos tempo.