![“Acolher todas as pessoas na mesma sala”: a missão da mostra de cinema mais inclusiva em Portugal](https://homepagept.web.sapo.io/assets/img/blank.png)
Rita Gonzalez tem 51 anos de vida e 15 de trabalho na área do cinema. Foi em 2018 que, na busca de aprofundar e expandir horizontes, participou em diversas formações com foco no acesso das pessoas com deficiência à oferta cultural. “Numa dessas formações disseram-me que era muito raro ter presente alguém da minha área. Disseram-me que ainda estava tudo por fazer no cinema. E isso ficou registado. O direito à oferta cultural é um direito instituído na constituição da república portuguesa. As pessoas com deficiência e as pessoas surdas têm o direito a poder beneficiar da oferta que existe. Nós estamos a fazer aquilo que já devia ser feito”, refere.
O rastilho estava aceso. A vontade de criar iniciativas inclusivas e de acessibilidade em eventos culturais ocupava, cada vez mais, um espaço maior na mente de Rita. Contudo, os obstáculos não demoraram a surgir. Contactou diferentes festivais, concorreu a bolsas de financiamento, mas sem sucesso. Até que Hugo Tornelo, parceiro de Rita, lançou o desafio que mudaria o cenário da cultura acessível em Portugal. “Por que é que não crias tu um festival, ou uma mostra de cinema?”, rematou o atual responsável pela comunicação da Ampla.
25 de março de 2022. A Ampla abandonava a mente de Rita e Hugo para se tornar real, ganhando forma física na Culturgest. Realizaram dez sessões de filmes premiados em festivais nacionais ao longo do ano anterior, todas elas com os três recursos de acessibilidade em funcionamento (audiodescrição, legendas descritivas e legendas em Língua Gestual Portuguesa).
“Os recursos de acessibilidade foram sempre um pilar da Ampla desde o início”, ressalta Hugo. “A Ampla é pioneira no sentido em que apresenta toda a programação com todos os três recursos de acessibilidade a funcionar, além de contemplar a acessibilidade no espaço físico. O que tentámos fazer com isto foi conseguir acolher todas as pessoas na mesma sala”, complementa Rita.
Além das acessibilidades nas exibições comuns, a Ampla conta também com sessões pontuais batizadas de sessões descontraídas. “Estas sessões foram feitas a pensar nas pessoas com autismo ou outras perturbações de desenvolvimento. São sessões em que o som não está tão alto, a luz está mais baixa e temos uma sala de conforto que está contígua à sala do cinema, então as pessoas podem sair e entrar as vezes que quiserem”, esclarece Rita.
“O nosso objetivo é que todos possam usufruir do mesmo filme”
Não é só das exibições de que a Ampla vive. Além dos filmes, a mostra conta com um workshop com foco na narrativa documental, bem como uma cessão de debate relativa às acessibilidades no cinema. “Desde o ano passado que nós convidamos o ICA (instituto de cinema e audiovisual) para estas iniciativas. Eles têm de ser responsabilizados e pressionados, para que haja recursos de acessibilidade disponíveis”, enfatiza Rita. Uma responsabilidade que parece ainda não ter chegado a território nacional. “São ações que já são tomadas pela Europa desde há 10, 15 anos. Em Espanha, desde 2007 que existem acessibilidades nas salas de cinema comerciais. Isto já está a ser feito, mas por que não em Portugal?”, conjetura Hugo.
Como novidade extra, este ano, a partir do dia 20 de fevereiro, vão ser disponibilizados recursos de acessibilidade através de uma aplicação móvel em todas as salas de cinema Castello Lopes, para desfrutar do drama americano “Oh Canada”. “Queremos mostrar que é possível levar as acessibilidades para as salas de cinema”, concede Hugo.
No quarto ano de vida, a Ampla, Mostra de Cinema Premiado retorna com mais uma programação para todos os públicos. Nos dias 14/15 e 21/22 de fevereiro, a Culturgest volta a preencher-se com diversos estilos de amantes do cinema. “Num mundo ideal, a programação de cinema já teria os recursos de acessibilidade previstos. Nós não teríamos qualquer problema em deixar cair esta bandeira da acessibilidade, porque isso seria um sinal de que as coisas já seriam acessíveis. Até lá, fazemos o nosso papel de mostrar que, sim, é possível que o cinema seja acessível”, conclui Rita.