A transição para a mobilidade elétrica está em curso e Portugal tem-se destacado como um dos países europeus com maior crescimento na adoção de veículos elétricos. No entanto, se o carregamento dos VE era, até há pouco tempo, um dos principais receios dos condutores — associado a tempos de espera longos ou a uma rede insuficiente — o paradigma está a mudar. E com este novo paradigma, muda também a forma como usamos o nosso tempo enquanto esperamos que o carro carregue.

Segundo o mais recente Inquérito GEVA 2024, realizado pela UVE (Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos), mais de 75% dos utilizadores em Portugal afirmam carregar os seus veículos em locais onde já se encontram por conveniência — como centros comerciais, locais de trabalho ou parques de retalho. Isto significa que o carregamento está a ser progressivamente integrado no quotidiano, deixando de ser um momento de espera passiva para se tornar uma pausa útil, produtiva ou até mesmo integrada num contexto social.

Adicionalmente, um estudo recente da plataforma europeia ieCharge revelou que 57% dos condutores utilizam o tempo de carregamento para fazer compras, 29% aproveitam para tomar café ou almoçar e 14% admitem usar esse tempo para trabalho remoto, aproveitando as infraestruturas com Wi-Fi. A espera transforma-se, assim, num tempo com valor real — quer seja para lazer, produtividade ou descanso.

Mas a verdade é que esta evolução não é apenas comportamental. A própria infraestrutura está a acompanhar esta mudança. Portugal conta atualmente com mais de 5.000 estações de carregamento públicos, correspondentes a cerca de 12 mil pontos de carregamento, com uma forte aposta em hubs rápidos e ultrarrápidos, localizados em zonas urbanas e áreas comerciais. Estas localizações não são aleatórias: fazem parte de uma nova abordagem centrada no utilizador, na qual o carregamento é pensado como parte de uma experiência mais ampla — útil, conveniente e integrada na rotina.

A mobilidade elétrica obriga-nos a repensar o tempo e o espaço. Carregar um carro elétrico já não é uma interrupção — pode ser um momento de pausa para si mesmo, para resolver tarefas, ou até para partilhar tempo em família. E esta mudança de mentalidade é essencial. Para tirar o máximo partido da mobilidade elétrica, não basta mudar o tipo de energia — é preciso reconfigurar hábitos, comportamentos e expectativas.

Claro que estas mudanças levam o seu tempo, mas a verdade é que muitos utilizadores começam a encarar o carregamento como uma oportunidade de bem-estar. Em fóruns e comunidades online multiplicam-se os relatos de pessoas que aproveitam o tempo de carregamento para dar um passeio, ler um livro ou meditar. Uma espécie de tempo que regressa ao condutor — algo impensável nos tempos acelerados da nossa sociedade.

Por outro lado, ferramentas e aplicações orientadas para a mobilidade ajudam os utilizadores a planear rotas, consultar preços em tempo real e até prever o tempo estimado de carga. Este empoderamento digital transforma o carregamento numa decisão consciente e informada, e não numa fonte de ansiedade.

A Deloitte Automotive Consumer Study 2025 reforça este ponto: entre os condutores de VE que expressam maior satisfação com a sua experiência, os mais felizes são os que conseguem integrar o carregamento nas suas rotinas, de forma previsível e sem fricção. Já não se trata apenas de tecnologia — trata-se de estilo de vida.

O carregamento de um veículo elétrico é, hoje, uma janela de oportunidade. Uma pausa que pode ser produtiva, relaxante, divertida ou prática — mas que, acima de tudo, deixa de ser um obstáculo e passa a ser parte integrante de uma mobilidade mais inteligente e consciente.

No fundo, a verdadeira transformação elétrica começa quando deixamos de perguntar “quanto tempo falta para carregar?” e começamos a perguntar “o que posso fazer com este tempo que ganhei para mim?”.

CEO e co-fundadora da miio