Em cima de uma bicicleta, Pedro Bento, vai unir o ponto mais a sul de África, o Cabo das Agulhas, ao ponto mais alto do continente, o topo do Kilimanjaro, numa aventura de cariz solidário, que vai começar a 1 de julho e terminar 45 dias e cinco mil quilómetros depois. Esta não é a primeira aventura do ciclista almeirinense, já que desde 2019 que Pedro Bento pedala milhares de quilómetros com o objetivo de angariar fundos para entregar a causas solidárias. Katmandu (desde Almeirim) ou o campo base do Monte Evereste (com partida desde Katmandu) foram outras aventuras solidárias em que Pedro Bento embarcou.

“Não sei que caminhos vou fazer. Não planeei uma rota específica. O objetivo é percorrer o caminho que for mais a direito mas se tiver que virar à esquerda ou à direita viro”, conta o ciclista ao NS. Vai passar por vários países como África do Sul, onde é o ponto de partida, Botswana, Malawi, Zimbabué, Moçambique e Tanzânia, onde fica o Pico Uhuru, o topo do Kilimanjaro, a 5 895 metros de altitude. Dentro das fronteiras de cada país, Pedro Bento explica que o percurso que vai percorrer “depende de muita coisa”, explica o ciclista.

“Depende sempre se tenho percursos seguros para seguir em frente, ou se há algum sítio que queira ver e para isso ter de fazer um desvio”, conta Pedro Bento, relembrando que esses desvios podem custar um ou dias de viagem e umas centenas de quilómetros.

“Tenho sempre zero expectativas para estas aventuras”, afirma o experiente ciclista, referindo que nunca há um dia igual neste tipo de aventuras, onde também aproveita para conhecer os povos e as culturas com quem partilha a estrada por onde pedala. Embora com uma forma diferente do que a maioria está habituada, estas viagens têm uma componente turística para o atleta almeirinense, que diz passar a conhecer a realidade em que as pessoas de cada país que cruza vivem e não só os pontos turísticos onde toda a gente vai. Como exemplo dá o Perú, e conta que tem amigos que visitaram o país e que adoraram, mas Pedro Bento não achou assim tanta graça. Na Índia, que é, para muitos, um destino turístico incrível, o ciclista solidário diz ter ficado chocado com a realidade degradante que encontrou.

“Se saíres do teu hotel de cinco estrelas, numa carrinha com ar condicionado, fores ver o Taj Mahal e regressares nessa mesma carrinha para o hotel onde estás confortavelmente instalado, vais achar que a Índia é um espetáculo, e não é bem assim”, afirma.

Não é o turismo ou a vontade de conhecer o mundo que move Pedro Bento, mas sim a vontade de ajudar quem precisa, e retribuir a ajuda que lhe deram quando mais precisou. Após ter sofrido um acidente de mota, em 2017, que quase o deixou paralisado, o ciclista almeirinense decidiu retribuir toda a ajuda que lhe foi dada durante a recuperação. Em 2019 pedalou 10 mil quilómetros, ligando Almeirim a Katmandu, no Nepal, onde em 2016, durante uma prova de BTT conheceu o projeto “Dreams of Katmandu” (Sonhos de Katmandu, em tradução livre do Inglês) do português Pedro Queirós.

Angariou 11 mil euros que distribuiu entre os Bombeiros Voluntários de Almeirim, para quem adquiriu 10 fatos de combate a incêndios e o projeto que “apadrinhou” no Nepal. Em 2021 partiu de Katmandu até ao Campo Base do Evereste e em 2023 partiu de Quito no Equador até Ushuaia, a cidade fim do mundo, na Argentina.

“Todo o dinheiro que angario é entregue às causas que decido apoiar. Não uso um único cêntimo para financiar as aventuras”, explica o ciclista. É do próprio bolso que paga todos os custos destas aventuras, que estima cifrarem-se entre os três e os cinco mil euros, dependendo do sítio para onde vai e das noites em que tem que pagar alojamento.

As doações são feitas através de MBWay ou transferência bancária porque recusa-se a usar as plataformas de crowdfunding, já que estas cobram uma taxa pelas doações e Pedro Bento diz que “é dificil explicar a quem doa dois mil euros porque é que só entreguei 1700”.

A aventura solidária deste ano tem como objetivo angariar dinheiro para ajudar a Constança, uma menina uma natural de Almeirim que nasceu com Síndrome de Rett, uma condição genética rara que afeta principalmente as meninas e que prejudica o funcionamento sistema nervoso central, causando atrasos no desenvolvimento físico e neurológico. As doações terão também a finalidade de reconstruir e equipar uma escola no Nepal.

A BakonBike Kilimanjaro pode ser acompanhada através das redes sociais (Facebook e Instagram) de Pedro Bento.

Os milhares de quilómetros percorridos e dezenas de fronteiras cruzadas trouxeram um portfólio de estórias que Pedro Bento dificilmente vai esquecer. Das centenas de dias que o ciclista passou na estrada e que diz nenhum ter sido igual ao outro relembra duas histórias. A primeira, enquanto pedalava numa estrada da Índia um individuo, montado numa mota, começou a tentar roubar-lhe a mochila, o GPS, ou o que quer que estivesse à vista na bicicleta e que o ladrão conseguisse estender a mão. Ao deparar-se com esta situação, outro homem afugentou o meliante e acompanhou Pedro Bento durante mais de 80 quilómetros, tendo-lhe ainda oferecido um sítio para passar a noite e jantar, junto com a sua família.

A segunda passou-se durante a aventura na América do Sul, na Argentina. Pedro pedalava por uma das estradas retas enormes, características do país. Quando um carro passou a alta velocidade a rasar a bicicleta, Pedro levantou as mãos e gesticulou a reclamar com o condutor que mal se deu ao trabalho de se desviar do atleta almeirinense, numa estrada em que Pedro diz que seguia ele e aquele carro. O argentino não gostou das reclamações e parou o carro uns metros à frente. Quando Pedro Bento se aproximou, o indivíduo saiu do carro e tentou esfaqueá-lo com uma foice, falhando o pescoço por escassos centímetros, acrescentando gritos com impropérios e ameaças de morte ao ataque. Sem estar satisfeito, voltou a entrar na viatura e acelerou em direção ao ciclista que voltou a escapar a uma morte quase certa conseguindo-se desviar da investida do condutor maníaco.

Uma história de superação e força de vontade

Em 2017, durante o reconhecimento para uma prova de BTT no concelho de Almeirim, Pedro Bento sofreu um acidente de mota que o deixou com ferimentos muito graves na coluna e um prognóstico muito reservado. À partida os médicos disseram-lhe que ficaria preso a uma cadeira de rodas mas Pedro Bento tinha outros planos que envolviam rodas, mas não as de uma cadeira.

“Depois da cirurgia sempre achei que ia voltar a andar e a fazer desporto, apesar de todas as contraindicações médicas”, relembra o ciclista, afirmando que o facto de levar toda uma vida ligada ao desporto e à competição ajudaram-no, mentalmente, a ultrapassar esta fase difícil. O método, conta ao NS, foi o mesmo que usara várias vezes para se preparar para provas: a preparação por objetivos e metas.

“A curto prazo era sair da cadeira de rodas, a médio prazo era voltar a fazer desporto e a longo prazo o objetivo era ir ao Nepal de bicicleta”, conta ao NS. A noção de médio e longo prazo de Pedro Bento não será propriamente igual à do “comum mortal” – Ao fim de duas semanas da cirurgia já fazia exercícios de preparação

“Ao fim de duas semanas no hospital já me levantava da cama para fazer exercícios de fortalecimento muscular das pernas para não perder a massa muscular”, relembra. Ao fim de seis meses já estava a preparar a ida ao Nepal e cerca de um ano e meio após o acidente estava a iniciar a aventura de 10 mil quilómetros entre Almeirim e o Nepal.

Chegou a fazer três sessões de fisioterapia por dia e apenas a sua força de vontade e capacidade de superação levaram-no a voltar a andar e praticar desporto.

“Houve dias que regredia tudo o que tinha evoluído, mas saber que já lá tinha chegado dava-me a certeza que era capaz de o voltar a fazer”, relembra.

Nem uma queda, em 2020, onde voltou a fraturar uma clavícula, costelas e a bacia, o afastaram de se montar novamente numa bicicleta e pedalar milhares de quilómetros para ajudar quem mais precisa.