
Nascido Jorge Mario Bergoglio, na Argentina, em 1936, Francisco morreu hoje na residência papal Casa Santa Marta, na Cidade do Vaticano, às 07:35 locais (06:35 em Lisboa), e pouco depois as redes sociais enchiam-se de homenagens e mensagens de despedida àquele que emergiu como o Papa dos desfavorecidos durante um pontificado de pouco mais de 12 anos.
"Até a um ateu como eu, ele deu vontade de rezar. Defendeu os pobres, os imigrantes, as minorias. Ainda ontem apelou ao cessar-fogo em Gaza. Exigiu os caminhos da paz, a submissão da economia à dignidade das pessoas e o respeito de todas as vidas. Se eu rezasse, seria para que a Igreja tenha a sabedoria de continuar o seu corajoso legado", escreveu o dramaturgo Tiago Rodrigues.
O mesmo desejo é partilhado pelo escritor Valter Hugo Mãe, que considera que "a igreja, que para crentes e não crentes desempenha um papel grave nas nossas sociedades, precisa de continuar Francisco. Seria fundamental não haver recuo".
A jornalista e escritora Anabela Mota Ribeiro recordou que o Papa "falou dos mortos no Mediterrâneo como ninguém, pediu o cessar fogo em Gaza, disse que as mães solteiras não eram mães solteiras, eram mães".
Tal como Tiago Rodrigues, sublinhou que é ateia e que pensa em Francisco "como um líder político raro, tão necessário num mundo cada vez mais sombrio".
A escritora Patrícia Reis lembrou o seu apelo ao "fim de todas as guerras, bélicas ou comerciais" e ao "fim dos presos políticos".
"O seu tempo foi um tempo de reinvenção", afirmou, e, igualmente, evocou a forma como o Papa "olhou para as mulheres para lá da sua condição de mães".
"Francisco reconheceu as mulheres em todas as valências. Deu-lhes poder dentro da igreja e reconheceu-as fora dela. Olhou para a comunidade LGBTQI+ com desassombro e procurando caminho. A igreja muda lenta e paulatinamente. Francisco acelerou algumas temáticas. Trouxe outras para a discussão. É sua a primeira encíclica sobre as alterações climáticas. Foi um Papa que tocou muitos, enervou os mais conservadores. Muitos que se assumem como não crentes viram nele uma possibilidade, uma luz", escreveu a autora.
Patrícia Reis enalteceu ainda o facto de o Papa se assumir como "um homem comum", para quem era importante ouvir os outros e olhar pelos outros, algo necessário nos "tempos que vivemos", num "mundo atolado de violência".
"A imagem do Papa na basílica de São Pedro durante a pandemia, totalmente só, nunca a esquecerei. Era um homem a rezar por todos. Quem virá a seguir, perguntamos hoje. Os poderes que se erguem no mundo, as ideias mais temíveis, ensombram o próximo conclave".
Para o humorista Nuno Markl, numa era em que "há gente demais a usar o nome de Cristo para sustentar o seu ódio e a sua intolerância pelo próximo, este homem veio explicar a essência dos ensinamentos de Cristo".
"Não sou católico, mas admirarei sempre quem é capaz de promover ensinamentos que, na sua essência mais pura, poderiam fazer do mundo um lugar mais empático, solidário e respirável", escreveu, manifestando também desejo de que "quem venha a seguir mantenha e, quem sabe, aumente essa luz".
A cantora e compositora Márcia juntou-se às homenagens nas redes sociais, confessando-se "comovida com a partida do Papa Francisco".
"Praticantes e não praticantes, Francisco uniu-nos na diferença. Juntou-nos no sítio certo da Humanidade. Humanizou o mundo. Solidário com tudo e todos, mostrou-nos que esse é o único caminho", escreveu.
A editora Nascente, do grupo Penguin Random House Portugal, que publicou a autobiografia do Papa Francisco, também o homenageou nas redes sociais, através de uma publicação do seu editor, Jorge Silva, que começa por assinalar que este foi o primeiro Papa latino-americano.
"Carismático, afável, divertido, acolheu a comunidade LGBT, lembrou o escândalo de todas as guerras, lutou contra a desumanização de uma sociedade consumista, aproximou-se de todas as pessoas e contou anedotas sobre si próprio, elegendo o humor e o sorriso como 'fermento da existência'", descreveu, classificando-o como uma "figura maior do primeiro quarto do século XXI".
O grupo Porto Editora escreveu que "a morte do Papa Francisco deixa um vazio profundo, mas também um legado de palavras, gestos e pontes construídas entre povos e crenças", enquanto a Cultura Editora lembra a "humildade, compaixão e coragem" do Papa que deixa um legado de "justiça social e diálogo entre culturas e religiões".
O Plano Nacional das Artes escolheu publicar na sua página de Instagram uma frase do próprio Papa Francisco, para lhe render homenagem: "A arte e a fé não podem deixar as coisas como estão: mudam-nas, transformam-nas, convertem-nas, movem-nas. A arte nunca pode ser um anestésico; dá paz, mas não adormece as consciências, mantém-nas despertas".
No plano internacional, foram também vários os artistas que deram voz à sua despedida nas redes sociais, como é o caso da cantora e escritora norte-americana Patti Smith, que atuou no Vaticano a convite de Francisco, e lhe dedicou um pequeno poema: "Esta é uma pequena flor, um dente-de-leão, humilde mas forte. Vi-a esta manhã e fiquei comovida. Adeus, querido Papa Francisco. A natureza, a poesia e os que sofrem sentirão falta do seu campeão", o seu determinado defensor.
A escritora argentina Mariana Enriquez recuou no tempo para recordar a altura em que uma ou outra vez se cruzou com Jorge Bergoglio no metro, quando ele era arcebispo de Buenos Aires, uma altura em que "não gostava dele", enaltecendo como "ele se tornou um grande líder e um bom pastor para os seus fiéis".
Salvaguardando que não é religiosa, a autora argentina afirmou-se "muito triste com a sua morte e orgulhosa por alguém como Francisco ter sido o primeiro Papa da América Latina", recordando que "a sua primeira missa fora de Roma foi em Lampedusa e falou dos migrantes, uma situação que continua a ser a mesma e que permanece bastante fora da conversa pública".
Mariana Enriquez confessou que Francisco a ensinou a descer alguns degraus no seu anticlericalismo e a ser mais tolerante, acrescentando: "Nós, agnósticos, somos muito arrogantes e, por vezes, pensamos que estamos acima da lama humana".
A escritora partilhou a imagem do Papa sozinho na basílica do Vaticano durante a pandemia, que diz ser a sua "fotografia preferida", terminando a sua publicação com "um grande abraço" aos amigos católicos e a todos aqueles que, como ela, sentiram "que o Papa era o homem poderoso mais compassivo e perspicaz deste Ocidente".
O pontificado de 12 anos do Papa Francisco, primeiro jesuíta a chegar à liderança da Igreja Católica, ficou marcado pelo combate aos abusos sexuais, por guerras e uma pandemia.
O papa Francisco esteve internado durante 38 dias devido a uma pneumonia bilateral, tendo tido alta em 23 de março. A sua última aparição pública foi no domingo de Páscoa, no Vaticano, na véspera de morrer.