Imagine entrar num supermercado equipado com um assistente de inteligência artificial (IA) capaz de lhe sugerir o que comprar consoante o que é bom para a sua saúde e conforme o que já comeu durante a semana. Por exemplo, que lhe dissesse: “Já comeste muitos brócolos esta semana, compra feijão-verde.” Há uns anos, não muitos, esta ideia de Manuela Veloso, responsável de investigação em IA na JPMorgan, seria considerada futurista. Hoje é reputada como futuro e, dada a rapidez com que a tecnologia está a evoluir, futuro próximo. “Nos últimos 10 anos inovou-se tanto como nos 100 anos anteriores, e nesses inovou-se tanto como nos 100 mil anteriores. Está tudo a andar a uma velocidade alucinante”, considera Marc Vidal, analista económico e consultor em transformação digital.

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Expresso

Por isso é que Grant Dudson, diretor criativo e artista, questiona: “Será que vamos precisar de ter manequins nas montras? E se forem hologramas?” E porque não os centros comerciais terem robôs a dar indicações, carregar sacos e saber se uma loja tem o que procuramos, ou haver informação do que comprámos e onde, tal como acontece na Amazon, ou os carrinhos dos supermercados andarem sozinhos, atira Manuela Veloso, para quem é importante “sonhar e depois ver se é possível”. Até porque “a tecnologia é uma alavanca e não um fim em si mesmo. Tenho de pensar como posso tirar partido dela para que a experiência do cliente seja mais rica”, acrescenta Carlos Oliveira, presidente do Conselho Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI). Até porque os centros comerciais caminham, cada vez mais, para serem espaços de experiências, e não apenas locais onde se vai às compras, nota Fernando Ferreira, sócio da consultora Dils. Rohit Bhargava, autor e orador sobre inovação, diz, precisamente, que uma das tendências atuais é a criação de “espaços onde se pode fazer de tudo”, como, por exemplo, ter zonas para trabalhar de forma remota, realça Fernando Ferreira.

Aliás, segundo Rohit Bhargava, as principais tendências do retalho são muito pouco tecnológicas e muito mais humanas. É o caso das caixas lentas, onde se incentiva a falar com o empregado que regista as compras, e das lojas artesanais ou do revivalismo. “A Kodak está a vender rolos para máquinas fotográficas e há aulas para os miúdos aprenderem datilografia em máquinas de escrever”, exemplifica.

Grant Dudson até salienta que a transformação dos centros comerciais não tem de passar apenas pela tecnologia, mas também pelas ferramentas que sempre se usaram, como o design e a arquitetura. “Numa caminhada pela natureza não temos onde nos sentar e procuramos algo que tenha a melhor forma para o fazermos. Porque não fazer isso quando estamos a desenhar um centro comercial?”, sugere. Ou recorrer às formas e aos materiais para criar ilusão, como a loja da Apple na 5ª Avenida, em Nova Iorque, onde a entrada é feita de painéis acrílicos que mudam de cor consoante o sítio de onde estamos a olhar. Ou ainda usar cores fora do que é comum, às vezes exageradamente. “O cor-de-rosa induz a hormona da felicidade”, nota.

O valor humano

Se se tivessem de escolher as principais conclusões da conferência anual da Associação Portuguesa de Centros Comerciais (APCC) — onde estes e outros oradores estiveram presentes —, uma delas seria de que, por enquanto, por mais evolução tecnológica que exista, o mais importante continua a ser o lado humano. Um inquérito que a consultora Hamilton realizou em Portugal junto dos consumidores mostra que 73% dos inquiridos dizem que querem ir a um centro comercial mais humanizado e não mais tecnológico e mais de 80% não hesitam ao dizer que, num apoio ao cliente, preferem falar com uma pessoa e não com um robô. “A tecnologia deve ser útil, deve melhorar a experiência de compra. A tecnologia ou é humana ou não será”, enfatiza Sebastién Fernandéz de Lara, sócio da divisão de retalho na Hamilton.

A realidade também mostra a importância desse lado humano. De acordo com um estudo apresentado na conferência e realizado pelos economistas e professores da Nova SBE Pedro Brinca e João Bernardo Duarte, em 2024 os centros comerciais portugueses registaram 600 milhões de visitas e fizeram €12,5 mil milhões em vendas, mais 7% face a 2023 nos dois casos. “Existe a ideia de que há muitos portugueses a frequentar centros comerciais. É verdade: 88% dos portugueses frequentam centros comerciais”, repara Cristina Moreira dos Santos, presidente da APCC.

A resiliência do retalho físico tem-se evidenciado nos últimos anos. Desde logo na adaptação ao crescimento do comércio eletrónico: “Na Zara as devoluções online são pagas, mas são gratuitas na loja”, exemplifica Fernando Ferreira, acrescentando que “o comércio eletrónico não veio substituir os centros comerciais, veio complementá-los”. E foi também evidente na recuperação pós-pandemia, como mencionou Durão Barroso, ex-presidente da Comissão Europeia, na intervenção que fez no encontro. A mesma resiliência que acredita que haverá se o comércio mundial cair por causa das tarifas do Presidente norte-americano, Donald Trump. Mas alerta: “Se houver uma queda de 5%, as empresas têm de estar preparadas para isso.”