Foram cerca de 10h que o país esteve sem eletricidade. Uma situação que se revelou mais breve que as previsões iniciais, mas que foi suficiente para deixar marcas, mais subtis nuns do que noutros, ou, nalguns casos (ainda) com danos incalculáveis.

Falo do impacto psicológico desta experiência naqueles que, por um motivo ou por outro, são acompanhados pelos profissionais de psicologia e/ou psiquiatria.

Para uns, esta situação recente revelou-se fonte de stress agudo, enquanto que para outros, até de forma surpreendente, foi encarada como uma pausa rara e bem-vinda.

Para nós, profissionais de saúde, esta situação relembrou-nos que a mente não é igualmente vulnerável, nem igualmente resiliente e que está dependente da personalidade, historial de saúde e/ou estratégias de adaptação de cada um.

Para indivíduos com perturbações de ansiedade, o corte súbito e (mais ou menos) prolongado de energia, foi um fator de stress, mesmo não tendo sido afetados por nenhum desencadeador, habitual, como ficar preso num elevador, retido nos transportes, suspenso no ar ou sem medicação. O medo antecipatório foi suficiente para despoletar horas de ansiedade.

Paradoxalmente, sobretudo para aqueles que vivem situações de burnout, esta situação súbita foi encarada como uma “autorização coletiva” para parar. Com o trabalho suspenso, os dispositivos desligados e as listas de tarefas temporariamente anuladas, tive acesso a relatos de uma sensação rara de tranquilidade. Um paciente partilhou que fez a sua primeira sesta sem culpa em anos. Outro contou que se sentiu verdadeiramente presente com os filhos pela primeira vez em semanas. Para muitos destes pacientes, foi um momento de pausa forçada que os obrigou a viver fora do trabalho, sem uma ideia de culpa associada. Quando o ritmo do quotidiano abranda abruptamente, há quem entre em pânico. E há quem respire fundo pela primeira vez em meses.

Momentos como este surpreendem-nos na profunda diversidade de formas existentes sobre como lidar com a adversidade: de forma pragmática, com recurso ao humor, os que aceitam e aguardam, e aqueles que tiram partido da situação. O importante é que independentemente da estratégia, esta permita e ajude a lidar com o imprevisto.

O apagão ofereceu-nos a rara oportunidade para refletir: Como lidamos com a imprevisibilidade? O que nos ajuda a manter o equilíbrio quando perdemos o controlo, mesmo que apenas por instantes?

Agora, com a luz novamente acesa, cabe a cada um analisar a sua reação e antecipar-se a uma próxima eventualidade.

João Rema,
Médico Especialista em Psiquiatria na MS Medical Institutes