Se o Governo levar a sua avante, não restará pedra sobre pedra nas alterações legislativas às leis laborais que foram introduzidas pelos governos de António Costa. No documento de 59 páginas que o Executivo de Montenegro entregou esta quinta-feira aos parceiros sociais na concertação social, praticamente todas as áreas da legislação laboral são mexidas: 110 artigos ao todo, que inclui mexidas substanciais na Lei da Greve, mas também na duração dos contratos a termo.

O Governo prepara-se para alargar o leque de atividades obrigadas a assegurar serviços mínimos em caso de greve, às atividades de apoio a crianças, idosos e pessoas com deficiência (o que pode incluir serviços como escolas, creches e lares). A medida é uma das alterações que o Governo quer introduzir à lei da greve e que consta do anteprojeto de reforma laboral, aprovado esta quinta-feira em Conselho de Ministros e depois apresentado aos parceiros sociais.

Atualmente, o Código do Trabalho determina que, em caso de greve, os serviços mínimos devem ser assegurados em empresas ou estabelecimento que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, o que inclui os correios e telecomunicações, serviços médicos, hospitalares e medicamentosos, entidades que garantam a salubridade pública (incluindo a realização de funerais), serviços de energia e minas (incluindo o abastecimento de combustíveis; abastecimento de águas, bombeiros, serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumba ao Estado, transportes e transporte e segurança de valores monetários). E com a alteração que o Governo se prepara para introduzir passarão a constar também as atividades de apoio a doentes, crianças, idosos e pessoas com deficiência.

Questionada pelo Expresso sobre se este alargamento dos serviços mínimos abrangerá também escolas do ensino básico e secundário, fonte oficial do Ministério do Trabalho, admitiu que “não está ainda definido”.

Além de alargar o leque de atividades abrangidas, do documento consta ainda a intenção de fixar percentagem para os serviços mínimos, a cumprir transversalmente pelos vários setores abrangidos (os novos e os que já estão abrangidos). Como esclareceu a ministra do Trabalho, Rosário Palma Ramalho, à saída da reunião com os parceiros sociais, “a proposta do Governo é ser mais exigente na definição dos serviços mínimos, mas sem pôr em causa o direito à greve”. Sobre eventuais percentagens de serviços mínimos a definir, não deu detalhes.

Novos limites para contratos a termo

Além das alterações à lei da greve, a proposta do Executivo estabelece que os contratos a termo certo passem a ter uma duração inicial mínima de um ano, em vez dos atuais seis meses. Em paralelo, a duração máxima destes contratos será alargada dos atuais dois para três anos, no caso dos contratos a termo certo. Já no caso dos contratos a termo incerto, o limite máximo de duração sobe de quatro para cinco anos.

Limitação ao outsourcing revogada

Da proposta do Executivo faz também parte a revogação da limitação ao outsourcing para empresas que tenham realizado despedimentos coletivos ou por extinção do posto de trabalho nos 12 meses anteriores, uma medida que vinha sendo reclamada pelas confederações patronais. O Expresso sabe que, na reunião com os parceiros sociais, o Governo terá argumentado que se tratava de uma “medida desproporcional, que prejudicou a competitividade económica”. E justificou: “A revogação desta proibição promove o princípio da livre iniciativa económica”.

As mudanças legislativas vão também chegar ao regime de teletrabalho. Nesta matéria, o Governo pretende “flexibilizar o teletrabalho, clarificar a sua noção e âmbito”, apurou o Expresso. Entre as alterações previstas está a adaptação do regime legal em vigor ao trabalho híbrido (que prevê a combinação de trabalho presencial e remoto), com a necessária compensação proporcional aos dias de trabalho remoto.

O regime de teletrabalho deverá também igualar a posição do trabalhador e empregador na negociação do regime de teletrabalho, independentemente de quem tenha a iniciativa do teletrabalho. Contudo, não se conhece ainda os moldes em que esse equilíbrio será garantido. O que sabe é que o Governo tenciona incentivar a que a comparticipação de despesas com teletrabalho possam passar a ser definidas em contrato coletivo ou no acordo de teletrabalho assinado entre trabalhador e empregador.

De resto, em matéria de negociação coletiva, o governo quer ainda favorecer a negociação coletiva e o papel dos representantes dos trabalhadores, reduzindo a necessidade de publicação de portarias de extensão, o instrumento administrativo que estende os efeitos de uma Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) a empregadores e trabalhadores que não são membros das organizações signatárias da convenção.


Banco de horas individual regressa

Outra das medidas previstas na proposta do governo é a recuperação do banco de horas individual, mas com uma condição: que a convenção coletiva que abrange o trabalhador o permita. Até 2019, o Código do Trabalho tinha prevista a figura do banco de horas individual. Esta modalidade previa que, por acordo entre o empregador e o trabalhador, o período normal de trabalho pudesse ser aumentado até duas horas diárias e atingir 50 horas semanais, num limite máximo de 150 horas por ano.

A compensação do trabalho prestado em acréscimo, poderia ser feita através da redução equivalente do tempo de trabalho; aumento do período de férias ou por pagamento em dinheiro. O Governo quer agora recuperar esta figura, mas fazendo-a depender da negociação coletiva.

Férias pagas só até dois dias

Já no que toca à possibilidade de compra de férias por parte dos trabalhadores, uma das medidas anunciadas pelo Governo, a ministra explicou que é admitida a compra de até dois dias de férias por ano, com perda de retribuição, mas não "de outros direitos". Esclareceu ainda aos jornalistas que esses dias poderão ser marcados antes ou depois do período de férias pagas.

O Governo tem já marcadas três reuniões com os parceiros sociais, que deverão decorrer no início de setembro, para dar seguimento à discussão da proposta conhecida esta quinta-feira. Sobre a intenção de fechar um acordo com os parceiros sociais ainda antes da entrega da proposta de Orçamento do Estado para 2026, a 10 de outubro, Rosário Palma Ramalho sublinhou que “naturalmente gostaríamos que não demorasse muito tempo, mas é uma proposta de diploma complexa, tem várias áreas”, sublinhando que “a pressa é inimiga de um bom resultado”.

Patrões aplaudem, sindicatos nem tanto

Para que seja alcançado um acordo tripartido nesta matéria é necessária a aprovação por parte de, pelo menos uma confederação patronal e um sindicato. Se entre os primeiros, a negociação parece ter os pilares necessários para chegar a bom porto, entre os segundos, a UGT não garante aprovação e a CGTP promete luta.

À saída da reunião de concertação social, Tiago Oliveira, secretário-geral da CGTP, não hesitou em classificar a proposta como “um ataque aos trabalhadores e à lei sindical”, sublinhando que “estamos perante uma tentativa de assalto aos direitos dos trabalhadores”. O líder da CGTP clarificou ainda que a proposta incorpora "uma revisão praticamente na íntegra daquilo que consta da legislação laboral e ataca transversalmente os direitos dos trabalhadores".

Já Mário Mourão, secretário-geral da UGT, fez questão de vincar que transmitiu ao Governo que “não considera que a revisão da legislação laboral fosse uma matéria prioritária, nem que fosse este o momento para a fazer”. Sobre o detalhe das medidas, nota que as alterações introduzidas à duração dos contratos de trabalho “introduzem a precariedade laboral” e mantém também reservas às alterações propostas à lei da greve.

Mário Mourão destaca ainda o momento da apresentação da proposta: “Estamos praticamente em período de férias. Um documento destes ser entregue em período de férias, faz soar todas as campainhas”, admite. Tudo somado, diz, “não posso prometer um acordo”.

Do lado dos patrões, Armindo Monteiro, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), fala numa “boa base de trabalho”. O líder dos patrões da indústria nora que “o anteprojeto introduz algum equilíbrio às relações laborais, mas falta ainda adaptá-lo às necessidades da economia”. E aponta que “existiam matérias que prejudicavam muito as empresas, mas que não beneficiavam os trabalhadores, como a proibição do outsourcing”, congratulando-se com a intenção do Executivo de revogar a norma.

Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), realçou a necessidade de analisar mais detalhadamente o documento “que extenso”, mas aos jornalistas fez um balanço genérico positivo da proposta. “Vamos corrigir algumas alterações introduzidas no passado, nomeadamente com a agenda para o trabalho digno, como o outsourcing", o que considera essencial.

Por seu lado, João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), destacou por positiva a proposta do governo, sinalizando a importância de “encontrar consensos mínimos na concertação social”. O patrão do comércio e serviços, aponta como positivas as propostas de revogação do outsourcing, o regresso do banco de horas individual e a reformulação da norma relativa à presunção de contrato nas plataformas digitais. Mas admite que há ainda trabalho a fazer com base na proposta.