O euro digital esteve em discussão na manhã desta terça-feira, em Lisboa, num painel composto por elementos de vários atores do setor financeiro. Entre todos, houve várias, e por vezes duras, críticas tecidas à inovação nos pagamentos que o Banco Central Europeu quer que avance “rapidamente”, tal como declarou a presidente do supervisor europeu, nesta segunda-feira, ao Parlamento Europeu.

Entre as mais badaladas está a regulação associada a esta nova ferramenta de pagamento, uma queixa comum no setor bancário. O diretor de Pagamentos do Millennium BCP, Ricardo Almeida, alerta que esta pode ser uma adição que nem os clientes nem os bancos pediram, mas que está a seguir em frente e corre o risco de não vir a ser usada. Esta visão surge na sequência de uma questão sobre o ‘open banking’, que um membro da audiência referiu como sendo uma imposição regulatória que acabou por não ser utilizada pelos consumidores.

Foto: PSO Knowledge

O diretor de pagamentos sublinhou ainda a carga regulatória que esta implementação trará ao setor bancário, algo com o qual os restantes membros tenderam a concordar. A COO da SIBS, Teresa Mesquita, por sua vez, lembrou que “o mundo continua a avançar enquanto implementamos regulação”. Também o diretor de ‘Research, Strategic Financial Analysis and IR’ do Santander Portugal, Rui Constantino, mencionou o peso da regulação, revelando que 50% do investimento que os bancos fazem em tecnologia é para responder a necessidades regulatórias.

Mesquita sublinhou também os custos de implementação que o euro digital vai ter. A administradora da empresa que gere a rede Multibanco citou um estudo que fala num impacto direto de 18 mil milhões. Estes valores não incluem a atualização de POS e sistemas de comerciantes que precisarão de disponibilizar este meio de pagamento quando, ou se, for lançado.

Teresa Mesquita salienta ainda que a Europa é uma “referência” na área dos pagamentos. A administradora considera que é preciso contrariar a “narrativa de atraso da Europa na economia digital. A Europa está na linha da frente em pagamentos digitais”, defende, referindo-se a iniciativas como a EuroPA, que junta já 15 países europeus. Neste sentido, Mesquita apela a que a introdução do euro digital tenha em conta estas inovações já existentes, de forma a estabelecer um modelo cooperativo com os atores que já existem no mercado e que podem ajudar na sua expansão.

Em relação à implementação do euro digital, Marília Araújo, da Novo Banco Payments, considera que é provável que haja dificuldades, pois não identifica lacunas no quotidiano dos clientes onde o euro digital se possa encaixar. Embora exista um desígnio para o banco central, argumenta, vai ser importante demonstrar a sua relevância para os utilizadores.

Na mesma ótica, Pedro Silva, da Caixa Crédito Agrícola, defende que a maneira como se vai promover este novo meio de pagamento é importante. O sistema complementar é o que defende, mas, ressalva, não quer regulação que force bancos a dar primazia a este sistema na vez de outros existentes.

A outra face do euro digital, que Hélder Rosalino, na abertura da conferência, afirmou não ser o objetivo do mesmo, é a remuneração da moeda. Ou seja, o euro digital é um meio de pagamento e não um ativo de reserva. Contudo, esta possibilidade existe, e pode ser um mecanismo que ajuda o banco central a acelerar a transmissão da política monetária, apontou Rui Constantino.

Constantino realça ainda que o banco central não pode referir-se ao euro digital como sendo mais seguro do que o euro comercial dos bancos, de forma a não retirar a confiança dos consumidores perante os agentes do sistema bancário. Ricardo Almeida atenta também neste perigo, argumentando que “agimos com base em perceções” e, num mundo onde existem perigos como ‘deepfakes’, a confiança nos bancos pode resultar, no limite, na retirada de depósitos dos clientes para as suas carteiras digitais, ainda que estas possam vir a ter um teto máximo de valor a albergar.