Focada na área dos benefícios para colaboradores, a Coverflex já atingiu o marco dos 10 milhões de euros em receita anual recorrente. Recentemente, alcançou também as 10 mil empresas clientes e, por consequência, as 200 mil pessoas abrangidas pelos seus serviços. Para 2025, a meta é chegar perto dos 20 milhões em receita anual recorrente e, a par disto, tem também alguns “grandes clientes” na manga, mas ainda não há nomes. Rui Carvalho, COO e um dos fundadores da Coverflex, sentou-se à conversa com o Jornal PT50 para dar a conhecer o trajeto – e os próximos passos – da ‘startup’ lançada em 2020.

A empresa tem contado com um crescimento consistente em receitas, “muito acima dos 100% nos primeiros anos e acima dos 60%” em 2024. Olhando para a origem destas receitas, Rui revela que as microempresas são uma grande parte do volume de clientes, mas representam menos de 10% da receita da empresa. Do lado oposto, a maior fatia vem das Pequenas e Médias Empresas (PME), enquanto as grandes empresas contribuem com menos de 25%. Para o COO, um dos momentos mais marcantes na vida do negócio foi quando a PwC se tornou cliente, o que, acredita, lhes conferiu credibilidade enquanto serviço.

Atualmente, a Coverflex emprega mais de 150 pessoas – em vários países, pois são 100% remotos e isto não vai mudar, garante Rui – e, de momento, as contratações esperadas são focadas no mercado italiano, onde a empresa “está em crescimento”. Ainda no que toca ao recrutamento, explica que são bastante “táticos” e que “a qualidade das pessoas é o primeiro desafio de uma ‘startup’. Somos tão bons quanto a equipa que conseguimos construir”, considera.

No que toca à origem da empresa, Rui dá a conhecer um detalhe curioso sobre a ideia inicial: criar uma seguradora B2B. Os fundadores, esclarece, consideravam que era a área com o “pior serviço ao cliente” e, portanto, queriam inovar nesse campo. No entanto, conta que rapidamente perceberam que existia espaço para mais e apenas os seguros “não eram interessantes”. “Seguros faziam parte dos benefícios e começámos a mapear as soluções que existiam no mercado e percebemos que estava tudo segmentado para empresas grandes. Empresas pequenas tinham dificuldade em aceder a planos de benefícios”, revela. “É importante provar que é possível chegar a PME em escala”, argumenta.

Assim, fizeram ajustes, deram a volta ao negócio e convenceram os investidores – que tinham colocado 2,5 milhões na ideia inicial – a acreditar no novo rumo da empresa. Investidores esses que Rui acredita terem sido os certos e os quais tiveram sorte de ter do seu lado. Ficamos a saber também que a ‘startup’ fez uso de um programa do Banco Português de Fomento (BPF) que, essencialmente, igualava o investimento externo que a empresa conseguisse trazer para território nacional, pelo que o capital levantado foi de cinco milhões.

Além desta ronda, houve uma ‘series A’ de 15 milhões mais tarde, acrescenta Rui, que possibilitou pagar o investimento feito pelo BPF. Apesar da empresa não estar ainda no verde, em termos de dívida, o COO garante que há um plano em curso para tal e que se trata de uma “decisão mais estratégica”.

Sobre o crescimento atual da Coverflex, Rui salienta com orgulho que captam 500 empresas por mês. Mais de 50% vem de Portugal, mas, quando se olha para o número de colaboradores alcançados, Portugal está “taco a taco” com os mercados estrangeiros, revela, pois conseguem angariar empresas maiores fora do país.

A internacionalização e a legislação local

O tema da dívida leva a outro capítulo na história da Coverflex: a entrada em mercados estrangeiros. Desde 2023, a empresa está presente em Itália, onde entrou através da aquisição de uma outra empresa – da qual herdou uma dívida que Rui caracteriza como sendo “insignificante” – porque esta já possuía licença para operar com cartão refeição.

Esta expansão através de aquisições tem uma lógica por detrás. De acordo com Rui, o mundo dos benefícios acarreta legislação que varia bastante, ainda que os benefícios sejam semelhantes. A compra da empresa em Itália permitiu acelerar o processo por já ter a licença mencionada antes. A título de exemplo, Rui explica que, em Portugal, um dos benefícios mais comuns e apreciados é o pagamento da escola dos filhos dos colaboradores. No entanto, isto implica protocolos com cada instituição. A solução: adquirir uma empresa que já possui protocolos e saltar esse passo.

Na ótica da regulação, o COO da Coverflex entende que esta é relevante e que “o regulador tem um papel importante, que é clarificar as regras do jogo para todos”. Sobre este assunto, considera que, por vezes, o termo de comparação são os EUA e não sabe se será o mais correto para tal. “Mais do que a regulação, a burocracia é uma coisa que me atrapalha mais”, admite. “O que sinto [que é o problema] não é entre haver regulação ou não. É a disparidade da regulação entre os países. Se as regras fossem claras e conhecidas para toda a gente, e for objetivo, eu podia focar-me no que interessa: a experiência do utilizador”, sublinha. Assim, o desejo de Rui é claro: uniformização europeia. Neste sentido, dá o exemplo da tentativa recente de criar o Plano Poupança Reforma europeu.

Voltando aos avanços da empresa, além de Itália, entraram no mercado espanhol no final de 2024. Desta vez não através da aquisição de outra empresa, mas sim de forma direta. Para o futuro? “Há vários mercados interessantes na Europa”, reconhece Rui. Aqueles que destaca são França e Alemanha. Sobre França, admite que é uma “questão de capital”. Segundo explica, neste país existe um grande concorrente com o qual não conseguem competir sem o investimento adequado, pelo que não tencionam entrar num mercado onde não conseguem fazer “mossa”. Para a Alemanha, o fator está relacionado com o tipo de benefícios, que são um pouco diferentes e mais focados em fundos de pensões, segundo conta. “É uma área que temos, mas não desenvolvemos a fundo”, admite. Fora da Europa, menciona o Brasil, que compara a França tanto em termos de oportunidades como em obstáculos.

Planos para o futuro

Sobre o futuro da Coverflex, Rui enumera três vertentes. “O objetivo é sempre atacar novos mercados”, assegura. Assim, indica como primeiro ponto entender se fazem ou não uma nova ronda de investimento – que teria sempre como objetivo a expansão para um novo mercado. De seguida, a evolução da sua plataforma de compensação e a visibilidade que querem trazer para o que é a compensação dentro de uma empresa. Por fim, a adaptação tecnológica, nomeadamente através da Inteligência Artificial (IA).

Neste último campo, Rui acredita que a IA é uma ferramenta que vai ajudar na relação com micro e pequenas empresas, que pretendem melhorar, refere. “Em Portugal, as empresas micro são encaminhadas para um canal que não é um humano”, explica, ao falar do ‘self service’ que já é possível para empresas com poucos colaboradores e que podem simplesmente inscrever-se no ‘site’ da Coverflex.

Sobre o que distingue a empresa dos concorrentes, Rui reitera de forma sucinta que a Coverflex é uma “solução integrada”. Os seus concorrentes operam com um benefício apenas, tipicamente. Ou seja, as empresas contratam um cartão refeição a uma empresa, um seguro de saúde a uma seguradora e assim sucessivamente. “Há uma taxa de retenção [da Coverflex] muito alta. As empresas, quando têm esta ferramenta, não querem mudar. Tem de haver uma justificação muito boa” para tal, argumenta.

Em relação ao que considera ser aquilo que os clientes mais valorizam, a resposta é simples: a flexibilidade. Não fosse até daí que vem uma parte do nome da empresa, como esclarece. “As soluções que existiam estavam focadas nas empresas e não nas pessoas que as usavam”, justifica. Olhando para as métricas, Rui realça que existe uma taxa de utilização de qualquer produto do cartão Coverflex de cerca de 90%. O dinheiro que fica no cartão “é muito pouco”, garante.

As ‘fintechs’ em Portugal e o apetite ao risco

Sobre as diferenças entre a altura em que entrou no mercado e hoje, Rui destaca a rede de empreendedores que surgiu, e continua a surgir, bem como o maior capital que há no mercado. Existe um “ecossistema mais facilitado”, considera.

Vai ainda mais longe e refere que “Portugal é um país inacreditável do ponto de vista de lançamento de ‘startups’”. O COO argumenta que casos como a Feedzai, por exemplo, inspiram a “fazer coisas diferentes e arriscar”. Rui acredita que existe, agora, um “ecossistema de investidores que compram esse risco”. “É preciso apetite ao risco e é fundamental para o investidor e para o fundador”, remata.