
Um desses habituais passageiros é Vitória Novela, 20 anos, que segue viagem para Magude, arredores de Maputo, num dos comboios dos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM), uma alternativa com 130 anos que hoje, afirma, é "segura e barata", apesar de mais lento, face ao transporte rodoviários, como os semicoletivos "chapas".
"O comboio é mais barato e também é seguro, não é como os chapas [furgão de transporte de passageiros]", explica Vitória, em conversa com a Lusa, sentada defronte à sua amiga Cleita Maurício, 24 anos.
Ambas seguem juntas na mesma carruagem desde a cidade de Maputo e concordam que é muito baixo o risco de acidentes no comboio, pelo que, apesar do tempo que levam para chegar a casa, preferem o transporte ferroviário.
"Houve umas vezes que apanhei chapa, mas não gostei da experiência porque ia muito rápido, acelerava muito", diz Vitória, referindo que a demora do comboio não é problema quando se chega a casa bem.
"Chapa é mais rápido, mas não é seguro por causa dos acidentes (...) os motoristas correm muito", frisa Cleita Maurício, deixando para trás a estação central na baixa de Maputo.
Em Maputo, eixo central do transporte de passageiros, a viagem de comboio da cidade e até Magude, o destino de grande parte dos passageiros saídos da estação central, custa 100 meticais (1,37 euros), face ao que pagariam num transporte rodoviário, que cobra 160 meticais (2,2 euros).
"Os preços dos chapas às vezes são caros, mas do comboio são baratos. Posso subir com qualquer material, basta que eu pague o bilhete", disse o pedreiro Abílio Cossa, de 28 anos, acrescentando que, além dos preços mais altos e risco de acidentes no furgão, o preço da viagem também aumenta em função da carga transportada.
Abílio e os seus colegas de trabalho, todos vindos de uma obra de construção civil na Katembe, arredores da capital do país, relatam também "conforto" na viagem de comboio, enquanto jogam às cartas, algo impossível no furgão.
Em 2024, os comboios do CFM transportaram 6.815.251 passageiros, no sistema centro e sul, quase meio milhão a mais do que o previsto pela empresa, segundo dados oficiais, e 3% acima do registo de 2023. E nem o período de agitação social pós-eleitoral, que se viveu desde outubro, e que além de sucessivas paralisações do transporte ferroviário, provocou ainda destruição de material circulante, travou esse crescimento.
No período colonial, com uma malha ferroviária praticamente idêntica à atual, de pouco mais de 3.000 quilómetros, os comboios chegaram a transportar mais de cinco milhões de passageiros num ano. À independência, em 25 de junho de 1975, seguiu-se a guerra civil, envolvendo forças da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) e do Governo, de 1977 a 1992, e o sistema ferroviário praticamente paralisou, com sucessivos ataques, incluindo a comboios de passageiros, obrigando à quase total reabilitação de várias linhas, durante anos, seguindo-se o progressivo crescimento de passageiros transportados.
A rede ferroviária moçambicana divide-se em três zonas, sul, centro e norte, não conectadas diretamente, mas que por sua vez ligam a vários países vizinhos, como África do Sul, Essuatíni e Zimbabué.
Depois da saída do centro de Maputo, o apito do comboio anuncia as paragens e há cada vez mais pessoas carregadas de mercadorias a entrar e a preencher os inúmeros espaços vazios nas carruagens de primeira à terceira classe.
O burburinho aumenta e nos corredores da terceira classe já se disputa o espaço entre passageiros que chegam para se acomodar e os vendedores de comida, que aproveitam a curta paragem do comboio para exibir bolinhos, refrigerantes, doces e bolachas aos clientes.
Ainda longe do seu destino, Bobole - a 50 quilómetros do centro de Maputo - , a reformada Teresa Amade, 67 anos, conta à Lusa que é tradição antiga apanhar o comboio. Agora, por conta da idade, paga apenas 15 meticais (0,2 cêntimos de euro) para chegar a casa, dos 46 meticais 0,6 cêntimos de euro) que pagaria no chapa, por estrada.
"Quando eu estava a trabalhar, antes de reformar, era comboio todos os dias, ida e volta (...) O comboio tem um preço acessível, dá para levar três a cinco famílias", referiu, aconselhando as pessoas a apanharem o transporte "com preço muito acessível, confortável e seguro".
A cumprir 130 anos, o sistema ferroviário já prepara a eletrificação dos cerca 100 quilómetros entre Maputo e Ressano Garcia, na fronteira com a África do Sul, a concluir nos próximos cinco anos, período em que está ainda previsto um investimento público de quase 200 milhões de euros no CFM, nomeadamente na duplicação de linhas, na aquisição de 30 carruagens de 250 vagões, neste caso para responder à crescente procura de transporte de minerais para os portos do país, para exportação.
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