A responsável pela auditoria de 2014 ao Banco Espírito Santo (BES), centrada na exposição deste ao BES Angola (BESA), disse esta sexta-feira em tribunal que há indícios de que o banco português não esperava ser ressarcido dos montantes que emprestava à subsidiária angolana – e que os auditores tinham visto.

Em causa estão milhares de milhões de euros com que o BES financiou, com recurso a linhas do Mercado Monetário Internacional (MMI), o BESA entre pelo menos o final de 2007 e o verão de 2014. Foi noticiado na altura o desaparecimento de créditos sem garantia no montante de 5,7 mil milhões de dólares. E existia na altura da falência do BES, recorde-se, uma dívida superior a 3,3 mil milhões de euros, que chegou a ter uma garantia do Governo de Angola inicialmente, mas que depois foi retirada.

Entre os indícios de que “não era expectativa do BES estar a receber estes montantes” está o facto de terem sido detetadas renovações sucessivas, sem qualquer pedido formal por parte do BESA, dos empréstimos, explicou esta sexta-feira, no julgamento do caso, a responsável pela parte da exposição do banco português à subsidiária angolana da auditoria pedida em 2014 pelo Banco de Portugal à consultora Deloitte. A antiga gestora não diz, mas os auditores do BESA em 2014 eram a KPMG.

“Não há histórico de pagamentos do BESA ao BES”, sublinhou, na condição de testemunha, Vera Pita.

A consultora financeira acrescentou que só em fevereiro de 2013 foi instituído no seio do banco português um “limite global” para linhas de crédito do MMI, que, no entanto, não era respeitado.

2008, o primeiro pico de empréstimos

Segundo a responsável, o primeiro pico de financiamento em MMI do BES ao BESA ocorreu no segundo semestre de 2008, quando o banco português emprestou cerca de 1500 milhões de dólares à subsidiária em Angola para esta subscrever obrigações do Tesouro angolano.

“Pelo menos 1240 milhões foram efetivamente usados [para esse fim]”, afirmou a testemunha, acrescentando que a sua equipa não conseguiu descobrir como foram utilizados 760 milhões de dólares mais tarde resgatados pelo BESA desse investimento.

“Não há evidência de [o valor] ter sido usado para pagar MMI”, frisou.

De acordo com a acusação do Ministério Público, a 31 de julho de 2014, a exposição do BES ao BESA era de 4783 milhões de euros.

Os ex-presidentes do BES, Ricardo Salgado, e do BESA, Álvaro Sobrinho, são dois dos cinco arguidos que estão a ser julgados neste processo, que incide, sobretudo, no alegado desvio de fundos entre 2007 e 2012 de financiamentos do BES ao BESA em linhas de crédito do MMI e em descoberto bancário.

Em geral, os arguidos respondem por abuso de confiança, branqueamento e burla – e negam a prática dos crimes.

O julgamento decorre desde 5 de maio passado no Tribunal Central Criminal de Lisboa.

O BES faliu no verão de 2014 e o BESA foi liquidado em outubro seguinte.