Vítor Pereira é o homem do momento em Wolverhampton. Depois de ter assumido o comando técnico do clube em dezembro passado, altura em que os Wolves estavam na 19.ª posição da Premier League, o técnico português liderou uma reviravolta impressionante e levou o emblema inglês até ao 13.º lugar, já com a permanência garantida.

Para além dos resultados em campo, o treinador tem dado que falar pelas celebrações pós-jogo, quando se desloca aos tradicionais pubs da cidade, para conviver com os adeptos. Em entrevista ao The Guardian, Vítor Pereira tocou precisamente nesse tópico.

«É preciso estar com as pessoas porque é preciso ver os sorrisos. Quando vou a um bar, não é pela cerveja. Claro que gosto da cerveja, mas vou para estar com as pessoas, para sentir que estou a fazer alguma coisa para as fazer felizes, para as deixar orgulhosas. É essa a minha energia. Tenho de ir a um pub, porque esta é a cultura», começou por dizer, antes de revelar que profissão desempenharia hoje, se não fosse treinador.

«Acho que se não fosse treinador, seria algo como um arquiteto. Gosto de criar. Sempre que vou para um clube, é como se pegasse num bebé nos braços. E começo a ajudá-los a crescer. É como se começasse uma nova pintura. Isto é futebol, deu-me a oportunidade de exprimir a minha criatividade. Se não fizesse isto, talvez fosse pintor... talvez devesse trabalhar em arte» referiu.

«Não quero esta vida para os meus filhos»

O treinador de 56 anos não foge do sucesso, mas é franco quando fala das dores da gestão, dos sacrifícios pessoais: «Nos últimos 15 anos, a minha mulher tem sido o pai e a mãe. Não vi nada. Aniversários, formaturas... nunca estive presente. Nunca. Não quero esta vida para os meus filhos. Temos muitos momentos em que sofremos muito. E sozinhos. Acho que estamos sempre numa pré-depressão.»

«No Brasil, perguntaram-me: 'Vítor, não sentes a pressão?' A pressão, meu amigo. Vou falar-vos da pressão. A pressão foi quando o meu pai teve cancro, o meu irmão estava a morrer, a minha mãe estava a chorar. E quando lidamos com isso, futebol é futebol. Não sinto qualquer pressão. Nada. Zero. A pressão é a pressão que eu coloco em mim próprio. Porque quero ser melhor. Se eu estiver no sítio certo para me desafiar, posso fazer magia», lembrou.

«Estou sempre a mudar de casa, de carro. A minha família começa a falar quando estamos a almoçar ou a jantar, e eu estou a pensar no futebol. Às vezes não consigo perceber a conversa. É como se tivesse começado a ver um filme... mas perco o filme até ao fim. Chego ao fim e não sei o que aconteceu», confessou o técnico que já passou por Portugal, Arábia Saudita, Grécia, Turquia, Alemanha, China e Brasil.

«Desde o início que sabia que queria ser treinador»

Vítor Pereira foi professor de educação física durante 15 anos, mas aos 18 trabalhava como nadador-salvador aos sábados: «O meu pai não tinha dinheiro e vivíamos numa cave subterrânea. No inverno, o mar era muito forte e não havia barreiras. Todos os invernos, durante três meses, a água entrava lá dentro. Tivemos de reconstruir a casa. A água entrava sempre pelas paredes e havia um mau cheiro. Sentia-me envergonhado porque a minha roupa cheirava mal. Mas eu era um adolescente muito feliz porque neste tipo de comunidade tínhamos os nossos rapazes. Quando olho para trás, esta força que sinto dentro de mim veio dessa altura.»

«Desde o início que sabia que queria ser treinador. Por vezes, não sabemos: ‘Gosto disto, gosto daquilo’. Para mim, foi muito fácil: quero ser treinador. Depois disso, quero ser treinador na Primeira Liga em Portugal. Depois disso, quero ganhar o campeonato em Portugal. E depois disso, quero ganhar o campeonato em Portugal. Depois disso, quero ganhar campeonatos fora do país», acrescentou o treinador, para quem só a sobrevivência na Premier League é insuficiente: «Não vim para Inglaterra só para evitar a despromoção.»