Se o Manchester United procura há muito um sucessor digno de Alex Ferguson, o último treinador a levar o clube à conquista da Premier League e de uma Liga dos Campeões, também o Tottenham ainda não conseguiu retomar a estabilidade que viveu durante a era de Mauricio Pochettino. Nesse aspeto, embora com toda a fé que possa haver em Ruben Amorim, os dois clubes vivem, à sua maneira e à sua própria dimensão, o mesmo sentimento de orfandade.

Entre 2014 e 2019, o Tottenham viveu o seu período mais estável e competitivo das últimas décadas, sob o comando de Pochettino. Numa era marcada por instabilidade técnica e por expectativas nem sempre acompanhadas por resultados, a passagem do técnico argentino pelo norte de Londres representou uma exceção clara à regra pela longevidade, consistência e pelo impacto estrutural e emocional que teve.

Nomeado em maio de 2014, Pochettino manteve-se no cargo durante mais de cinco épocas completas,um feito raro num clube que, nos 20 anos anteriores, somou passagens breves de técnicos como Martin Jol, Juande Ramos, Harry Redknapp, o português André Villas-Boas e Tim Sherwood, entre outros. A sua liderança deu ao clube algo que há muito faltava: continuidade e identidade.

Entre 2015 e 2018, o Tottenham terminou três vezes consecutivas no top 3 da Premier League — 3.º em 2015/16, 2.º em 2016/17 e 3.º em 2017/18 — algo inédito na era moderna dos Spurs. A época 2016/17 foi particularmente histórica: o clube foi vice-campeão com 86 pontos, a melhor campanha da sua história na Premier League, com apenas quatro derrotas em 38 jogos.

O ponto alto da era Pochettino chegou em 2019, quando o Tottenham atingiu, pela primeira vez, a final da Liga dos Campeões, depois de eliminar equipas como Borussia Dortmund, Manchester City e Ajax numa campanha dramática e emocionante. A final, disputada em Madrid frente ao Liverpool, terminou com uma derrota por 2-0, mas representou um marco histórico para o clube e um símbolo da ascensão alcançada com o técnico argentino.

Fora das quatro linhas, o treinador geriu com mestria o impacto da construção do novo estádio, um processo que exigiu contenção orçamental e deslocou os jogos para Wembley. Mesmo com um investimento inferior ao dos rivais diretos, Pochettino manteve a equipa competitiva e projetou talentos como Harry Kane, Dele Alli, Son Heung-min, Eric Dier, Christian Eriksen, Kyle Walker e Danny Rose.

A ligação emocional com os adeptos também foi evidente. Pochettino falava com paixão sobre o clube e defendeu consistentemente uma visão de crescimento sustentado, baseada em valores e identidade. Para muitos adeptos, tornou-se não apenas um treinador de sucesso, mas uma figura que representava o que o Tottenham podia e devia ser.

Desde a sua saída, em novembro de 2019, o Tottenham tem vivido nova instabilidade técnica. Nenhum dos sucessores - os portugueses José Mourinho e Nuno Espírito Santo, e ainda Antonio Conte ou Ange Postecoglou - conseguiu replicar o nível de consistência ou criar um projeto tão claramente definido, embora tenham os dois últimos e até Mou ainda tenham prometido a mudança com primeiros anos bem razoáveis.

Apesar de não ter conquistado troféus, o legado de Mauricio Pochettino é amplamente reconhecido como o mais sólido dos últimos 20 anos no Tottenham. A sua passagem pelo norte de Londres foi marcada por crescimento, ambição e identidade, três valores que continuam a servir de referência sempre que o clube se interroga sobre qual o caminho a seguir.