As grandes dinastias existem também para cair. Isto se uma derrota significa o fim. No caso de Patrick Mahomes e dos Kansas City Chiefs é bem possível que não, mas a possibilidade de se tornarem na primeira equipa a vencer três vezes consecutivas o Super Bowl esfumou-se este domingo em Nova Orleães frente a uns Philadelphia Eagles que foram o epítome de uma equipa. E como o futebol americano ainda é um jogo coletivo, a vitória por 40-22 consagrou a estratégia defensiva dos Eagles, que voltam aos títulos depois de 2018 e vingam a derrota sofrida contra estes mesmos Chiefs no Super Bowl de há dois anos.

Foi a estratégia defensiva e seus os protagonistas, planos gizados pelo veterano Vic Fangio, coordenador da defesa dos Eagles, que tornaram o que seria uma noite histórica para os Chiefs num pesadelo que os números do marcador nem refletem - dois touchdowns tardios, quando os Eagles já festejavam, tornaram a derrota um pouco menos estrondosa. O que se viu em campo foi um verdadeiro capitular dos bicampeões da NFL, sem resposta para a defesa agressiva dos Eagles, que anularam quase sempre Patrick Mahomes, também pouco ajudado por uma linha ofensiva dos Chiefs completamente perdida na proteção ao seu quarterback. Tantas outras vezes, o talento infinito do bailarino Mahomes, a sua capacidade inventar soluções e linhas de passe, nos riscos que não tem medo de tomar, já chegaram para ganhar jogos e campeonatos. Há dois anos, frente a estes mesmos Eagles, assim foi. Desta vez as diferenças coletivas foram demasiado evidentes.

Ao ponto dos Eagles nem sequer terem precisado de um jogo extraordinário da sua principal arma, Saquon Barkley. Sempre muito marcado pela defesa dos Chiefs, o running back fez um jogo modesto, ainda que invisivelmente muito tenha ajudado o ataque dos Eagles. Mas ao requerer tanta atenção da defesa adversária, retirou essa pressão de outros e o jogo aéreo da equipa de Filadélfia apareceu em força. O touchdown que abre a contagem, ainda dentro dos primeiros 10 minutos de jogo, nasce de um passe de Jalen Hurts para Jahan Dotson que deixou os Eagles a uma jarda do jackpot. E aí, o já famoso tush push, uma jogada em que literalmente um colega empurra o traseiro do quarterback dos Eagles até este estar dentro da end zone, resultou uma vez mais.

O 1.º quarto foi penoso para os Chiefs e o 2.º não seria melhor, mesmo que tenha começado com uma interceção para Jalen Hurts, a primeira em 10 jogos. Mas no ataque nada corria bem aos Chiefs, multiplicando-se as receções defeituosas e os sacks a Mahomes, impedido, tantas vezes, de sequer lançar a bola, cada vez mais frustrado com a incapacidade de fazer fluir o jogo.

Com os Eagles já com uma vantagem de 10-0, Mahomes lançou a sua primeira interceção da noite, que se transformaria numa pick 6, com o rookie aniversariante Cooper DeJean a roubar a bola e a correr até ao touchdown. O quarterback dos Chiefs seria novamente intercetado ainda antes do intervalo, num voo de Zach Baun que permitiu jogada dos Eagles já dentro das 20 jardas defensivas dos Chiefs. Novo touchdown, agora de AJ Brown, colocou o resultado nuns impensáveis 24-0 no final do 2.º quarto.

Depois de, ao intervalo, Kendrick Lamar fazer a Drake aquilo que os Eagles estavam a fazer aos Chiefs em campo, o calvário de Mahomes continuou. Incapaz de ter ajuda da equipa, fosse da sua linha ofensiva ou dos seus receivers, o texano tentou algumas vezes resolver sozinho aquilo que há muito a defesa dos Eagles já tinha decidido que não ia acontecer. Novo touchdown da equipa de Filadélfia - lançamento de 46 jardas de Hurts para DeVonta Smith - aumentou o escândalo. Os Chiefs perdiam por 34-0 e tão manietados estavam que a pergunta já era se a equipa de Kansas City ia ser a primeira da história a não marcar pontos num Super Bowl. Esse indesejado recorde caiu quando nos dois últimos minutos do 3.º quarto apareceu alguma da magia de Mahomes, que inventou primeiros downs até oferecer o touchdown a Xavier Worthy.

Nos derradeiros 15 minutos da final, Jalen Hurts tornou-se no quarterback com mais jardas de corrida num Super Bowl e os Eagles foram avançando paulatinamente no marcador com um par de field goals de Jake Elliott, o último dos quais de 50 jardas, depois de um fumble de Mahomes, forçado pela defesa adversária, ter sido apenas mais um sinal da noite desastrada dos Chiefs, num dos piores jogos da carreira do prodigioso quarterback. Com os Eagles já em modo festa, DeAndre Hopkins e Xavier Worthy amansaram o resultado. Kenny Pickett, quarterback suplente dos Eagles, ainda teve oportunidade de ir a jogo, de tão controlado que estava.

Mesmo não tendo feito um brilhante jogo, Jalen Hurts (221 jardas, 17 passes completos em 22 tentados, dois touchdowns e uma interceção) foi considerado o MVP deste Super Bowl, um prémio que talvez devesse ser dividido pela defesa dos Eagles, o grande jóquer deste jogo - Mahomes sofreu seis sacks, seis vezes que foi atirado ao chão antes de conseguir lançar a bola.

Para os Chiefs, a hipótese de entrar na história desvaneceu-se. Mas ainda há muito Patrick Mahomes e dificilmente se pode dizer que acabou o estado de graça de uma equipa que chegou cinco vezes ao Super Bowl nas últimas seis épocas. Mas a final deste ano é uma lição: nem sempre Mahomes vai resolver sozinho. Aos 29 anos, ele já nos habituou ao impossível, a inverter a lógica de uma liga onde o coletivo quase sempre prevalece. E o coletivo dos Eagles sempre pareceu o mais bem preparado para evitar mais um pontapé na lógica de Mahomes, que esteve perto de chegar aos 30 anos com quatro anéis de campeão no bolso. Terá mais oportunidades, mas nas próximas horas, a festa será rija em Filadélfia.