A vida é uma imagem em plano aberto de fases momentâneas. Há diferenças garrafais nas tarefas realizadas ao abrigo das quatro linhas em comparação com as que são desempenhadas ao relento do exterior do campo. São perspetivas antagónicas de um mesmo assunto, ambas, cada uma a seu tempo, do conhecimento de Sérgio Conceição.

O indivíduo a esbracejar com o desespero de um náufrago em alto mar na final da Supertaça italiana, em Riade, é alguém afogado na falta de controlo sobre a concretização do seu plano. É um pouco esse o papel do treinador, fazer um desenho e dá-lo a outras pessoas para que o assinem como se delas fosse a autoria.

Sérgio Conceição era outro quando, em 1998, chegou à Lazio de joelhos esfolados por ter cumprido uma promessa no Santuário de Fátima sem dar tempo às feridas de se curarem antes da viagem para Itália. Ao exibir as dobradiças das pernas escamadas fez com que a primeira aparição fosse impactante, ainda que não tanto como o golo que marcou na estreia pela equipa treinada por Sven-Göran Eriksson quando o jogo levava 90 minutos.

A Lazio venceu a Supertaça desse ano. Aquele Sérgio Conceição de patilhas rebeldes é o mesmo Sérgio Conceição que, hoje de cabelo mais grisalho, treina o AC Milan. Quatro dias depois de ter sido oficializado pelos rossoneri, o português de 50 anos ganhou a meia-final da Supertaça contra a Juventus. Uma semana depois, ganhou a final contra o Inter (2-3) e, 26 anos depois, matou saudades do toque desse mesmo troféu.

NurPhoto

Nesta sempre questionável opção de se jogar uma Supertaça italiana na Arábia Saudita, ainda mais estranho se torna quando se opõem duas equipas da mesma cidade e que partilham o estádio. Como Lautaro Martínez cheira o golo em qualquer geografia, a partir do passe de Taremi, o argentino dissolveu os defesas no tempo de compensação da primeira parte.

Sem grande dificuldade, o Inter colocava os atacantes em posições livres da vigia dos defesas. Uma eventual menor afinação do sentido de urgência de Malick Thiaw e o AC Milan teria ido para o intervalo ainda mais penalizado pela agressividade ofensiva dos nerazurri. Não o foi na primeira parte, foi-o no início da segunda. Taremi, que marcou 91 golos em quatro épocas a ser treinado por Sérgio Conceição no FC Porto, desta vez, assombrou o antigo técnico.

Rafael Leão entrou aos 50 minutos num AC Milan que até aí vinha exigindo aos extremos recuos contínuos. O internacional português alterou a tendência, ajudando a equipa a desenrolar-se até ao ataque. Em simultâneo, os rossoneri começavam a desesperar com a ineficácia de Reijnders, o médio mais adiantado, com presença assídua na área do adversário.

A frequência de comportamentos, que nos leva a chamar-lhes de hábitos, reitera uma série de ações que se tornam inerentes à personalidade. Sérgio Conceição estava sentado numa geleira – onde é que já vimos isto – quando Theo Hernández reduziu de livre.

Giuseppe Cottini

Rafael Leão interessou-se bastante em não deixar o trabalho a meio. Ele e Theo Hernández, ambos rebeldes acusados de terem uma relação difícil com Paulo Fonseca, antecessor de Sérgio Conceição. O lateral assistiu Pulisic para o empate e a ameaça de reviravolta tornou-se séria. O AC Milan voltou a baixar o bloco, algo que pouco se viu na segunda parte. Eventualmente, confiava em Maignan, que interveio para negar o golo a Dumfries, fosse capaz de sair como herói do desempate por grandes penalidades. Não foi preciso ir tão longe. Rafael Leão rompeu pela direita e assistiu Tammy Abraham para este completar cambalhota de 2-0 para 3-2 já em tempo de descontos.

Sérgio Conceição, que deixou o FC Porto depois de ganhar a Taça de Portugal, quis que o abraço que deu ficava marcado nas costas dos jogadores rossoneri. Quanto a si, viajou de aperto em aperto com os olhos a reprimirem algumas lágrimas. Saudados que estavam todos os responsáveis pela oitava Supertaça do AC Milan, foi para um canto falar sozinho. Ele está de volta.