Leah Williamson irrompeu pela zona mista do Estádio de Alvalade puxando um trolley com uma coluna gigante. A barulheira denunciou o surgimento das campeãs da Europa pintadas de fresco. Like any other night you've got your name in lights… E de medalha ao peito, a central completou a letra da música. You’re a superstar…

Naquele momento, a festa pertencia ao Arsenal que conquistou a Liga dos Campeões ao bater o magnânimo Barcelona, mas houve uma altura, antes da final começar, em que a comemoração foi de todos. O futebol feminino é um espaço universal num mundo de divisões. Misturam-se adeptos de clubes rivais, pequenos rapazes vestem camisolas com nomes de senhoras nas costas e as famílias não têm que deixar nenhum membro em casa por sentirem que a sua integridade está em perigo. Reina a aceitação num microcosmos onde quem entra acredita que tudo é possível.

Os arredores da Praça do Comércio estão atolados de gente na manhã do jogo. Foi no ponto nevrálgico da cidade que a UEFA instalou a fan zone oficial aprisionando o cavalo de D. José num picadeiro rodeado por grades. Na mesma área, há espaços de animação chancelados por Barcelona e Arsenal cheios de pessoas encaloradas que vestem calções e t-shirts.

As sardas de Millie Turner, ou melhor, a jogadora viral que renovou contrato com o Manchester United com o seu cão ao lado, avivam-se com o sol. “É muito muito fixe. São 9h e há imensa gente aqui. É a minha primeira experiência numa fan zone como esta e estou muito entusiasmada por estar aqui.”

A conversa não se faz sem que a Tribuna Expresso lhe pergunte por Pongo, o ausente do dia que agradece à humana que o trata por não o ter exposto a tão altas temperaturas. O patudo “está bem”, partilha. A lesionada defesa move-se com pouca naturalidade nas muletas que tentam evitar a sobrecarga do fraturado pé esquerdo envolvo numa proteção que parece a meia de um astronauta.

“Espero que meninas e meninos olhem para o crescimento do futebol feminino e queiram ser parte dele. Há imensas coisas que têm acontecido e que trazem união ao futebol feminino. É muito especial, incrível. Acho que toda a gente consegue ver”, avalia a central da equipa que terminou em terceiro lugar da Liga Inglesa.

O olhómetro distingue um adepto do Arsenal por cada dez do Barcelona. Já em 2014 a capital portuguesa tinha recebido a final da Liga dos Campeões. Realizou-se no Restelo o evento acoplado à final dos homens que se disputou no Estádio da Luz. O Tyresö FF-Wolfsburg passou despercebido por Lisboa, embora os registos digam que a assistir estavam 11.217 pessoas.

Para o Arsenal-Barcelona, a UEFA anunciou que os bilhetes tinham esgotado. No entanto, nas ruas e nas redes sociais, havia quem estivesse a vender ingressos. De qualquer maneira, estiveram em Alvalade 38.356 ruidosas pessoas e muitas mais assistiram na televisão. Leila Ouahabi, internacional espanhola e jogadora do Manchester City, ainda não dá o caminho por terminado. “O futebol feminino está num momento muito bom, está a crescer. Ainda assim, falta muito. De ano para ano, cresce e as pessoas estão mais implicadas”, comenta com o nosso jornal a lateral que participou no recente duplo confronto que La Roja teve com Portugal na Liga das Nações.

Por incrível que pareça, uma jogadora do Manchester United pôs-se de acordo com uma jogadora do Manchester City. “Acho que temos sido parte desse crescimento do futebol feminino. Estivemos lá desde o início e temos visto toda a jornada”, anexa Millie Turner. “Se compararmos o antigamente com o agora, são dois mundos distintos. Há uma atmosfera de entusiasmo à volta do momento.”


A jogadora inglesa já sente que uma mulher que representa o Manchester United tem o mesmo “hype” que um homem. “Colhemos os frutos de jogarmos por um clube como este.” Uma dessas consequências é ter uma “plataforma para fazer uma mudança positiva” na sociedade.

Após a final, na zona mista, é difícil encontrar espaço para esticar um braço e colocar um gravador diante de jogadoras que são autênticos fenómenos de popularidade. Quando passam, a cara de quem ganha não é mesmo nada parecida à de quem perde. As jogadoras do Barcelona saem de olhos postos no chão ou simulando estarem atentas ao telemóvel para evitarem ser interpeladas. Algumas sugerem estar atrapalhadas com as caixas de pizza que levam nas mãos. As do Arsenal não se incomodam com as perguntas e até denotam uma certa cumplicidade com os jornalistas britânicos que acompanham a fundo o futebol feminino.

De regresso às ruas, conhecido o resultado, não há demonstrações exageradas de frustração. Talvez seja o fator que mais distingue o ambiente destes jogos. Ganhar e perder importa, mas não mais do que o saber estar.