Louis Saha, 46 anos, foi antigo internacional francês e um dos grandes goleadores do Manchester United no séc. XXI. Jogou com Cristiano Ronaldo, foi dirigido por Alex Ferguson, agora está no Algarve, no âmbito do Summer Football Camp, iniciativa que reúne lendas dos red devils, no Pine Cliffs Resort, em Albufeira. Foi do sul do País que falou com A BOLA.

— Em primeiro lugar, o que faz atualmente e o que tem feito nos últimos anos desde que se retirou do futebol?

— Desde que me retirei, tenho-me focado na inovação da indústria do desporto. Tenho investido em empresas que podem ajudar os atletas a conduzirem melhor a carreira, a fazer uma melhor transição. O que faço é organizar isso de uma forma muito digital. É a minha nova paixão. Construir este tipo de empresa exige tempo e coragem. Mas gosto muito e penso nisso todos os dias.

— Está agora no Algarve, com outras lendas de futebol. Fale-nos dessa experiência.

— Trata-se de transmitir o meu conhecimento, perceber como podemos melhorar a comunicação entre gerações. Perceber o que é certo, o que é errado e garantir que esta geração não vai cometer os mesmos erros que a nossa geração. É também educar, porque algumas coisas mudaram em termos de tecnologia, como as redes sociais. É importante implementar o que aprendemos no passado. Eles querem aprender mais rapidamente, serem reconhecidos e famosos mais rapidamente. Precisamos de implementar novas estratégias. É por isso que estou muito focado e estou aqui. O Pine Cliff Resort permitiu-me conhecer algumas famílias e pais. É muito bom.

— Falemos agora do Manchester United. Sente falta dos tempos de Old Trafford? Continua a ver os jogos do Manchester United?

— Sim, claro. É sempre algo que fica na memória. É uma sensação muito forte. Porque consegui conviver com enormes jogadores, com um ótimo treinador. Conquistámos troféus e isso nunca vai sair do meu pensamento. E uso isso todos os dias para o trabalho que faço atualmente. Basicamente, vejo sempre o Manchester United. É doloroso neste momento. Mas é claro que faz parte do processo. Para seres adepto, tens de estar lá. Nos momentos bons, mas também nos momentos maus. É por isso que apoio. Por isso estou aqui e tento entender o que de melhor pode ser feito. Como embaixador e antigo jogador. E tentar, com um pouco de conhecimento, ajudá-los sempre.

— O que pensa de Ruben Amorim? Gosta dele?

— Sim, sou um grande fã. Ainda é um jovem treinador, por isso tem coisas a provar e tem de aprender várias coisas. Tem de admitir isso também. Mas não é fácil. Porque tens de mostrar que conheces o teu trabalho. Que quase estiveste lá antes, não é fácil. Mas acho que o principal talento que tem é muito grande, como antigo jogador. É a forma como comunica. Acho que comunica de forma correta. É muito honesto, muito direto. Quando não gosta de coisas, diz. Quando gosta, está aqui para proteger esses jogadores. Está a fazer isso. O problema que a equipa teve foi difícil. Porque não é fácil, com grandes jogadores, grandes estrelas também. E ele conseguiu fazê-lo. Por isso todos os envolvidos no Manchester United têm de melhorar. E é isso que ele está a fazer. Mas, como disse, tem o apoio dos adeptos e do clube. Porque é muito honesto e muito forte mentalmente. Sabe o que quer. Há momentos em que tens de reconhecer os teus erros. E ele é um trabalhador árduo. Ninguém é perfeito. O Alex Ferguson também cometeu erros. Como jovem treinador, se queres ser bem sucedido tens de aprender coisas. Porque Inglaterra não é igual às outras ligas. Há coisas diferentes que tens de aprender em relação ao clube. E o Manchester United é uma grande equipa. Agora estando lá percebe isso. Espero que receba o apoio que merece. Porque, como disse, estou muito impressionado com a comunicação dele. Estou muito impressionado com o modo como tenta implementar uma tática. E precisa dos jogadores certos. Espero que consiga isso.

— A pergunta é: poderá levar o Man. United de volta aos tempos de glória?

— Essa é uma pergunta difícil de responder. Não acho que vá alcançar o nível elevado de outros treinadores no passado. Está a começar a receber um apoio melhor, porque o clube está a crescer. Foram cometidos muitos erros nos últimos sete ou oito anos. Por isso, a primeira coisa que tem de fazer, e acho que ele reconhece isso, é construir uma equipa que esteja bem equilibrada entre experiência, juventude e talento. Admito que esses jogadores precisam de se sacrificar. O principal objetivo deve ser construir uma equipa que seja consistente, que as pessoas sintam de novo, que traga o tipo de entusiasmo que a equipa do Manchester United transmitiu no passado. Mas o resultado vai chegar. Há sete ou oito equipas que podem ganhar a Premier League agora. Está muito abaixo da excelência e não é fácil. Diria que [Ruben Amorim] vai precisar de pelo menos dois anos para conseguir isso.

— Viktor Gyokeres vai jogar no Arsenal, também chegou a ser associado ao Man. United. É uma grande perda para os 'red devils'?

— Sim.

Seria a contratação perfeita?

— Sim, definitivamente, porque eles conhecem-se. Têm sido muito bons. Mas, sim, é normal. A dada altura da carreira, tentas encontrar a melhor opção em termos de transição. Ele pode voltar para Inglaterra, deve estar entusiasmado. Mas quer uma equipa que saiba como joga e perceba o que falta para ganhar um troféu. É esse o target do Arsenal. Por isso, percebo. Sim, estou desiludido, porque teria sido uma grande contratação. Tivemos duas grandes contratações, como Mbeumo e Cunha. Definitivamente, teria sido o trio perfeito no topo. Mas nós, adeptos do Manchester United, queremos jogadores que queiram jogar no clube. Não queremos ser a segunda ou a terceira escolha. Não é assim que funciona. Não estamos aqui à espera e a implorar por jogadores. Se não querem, até à vista.

Não podes fazer tudo sozinho (...) não é justo pedir a Bruno Fernandes para resolver tudo

— Jogou com lendas como Roy Keane, Giggs, Ronaldo. Agora, Bruno Fernandes é a referência, mas nem todos o veem como um bom capitão. Qual é a sua opinião?

— Não concordo, de todo. O que tem à volta dele, como jogador e no clube, não é o mesmo que Roy Keane ou Rio Ferdinand ou todos esses capitães do passado tinham. Penso que ilumina as fraquezas de alguém. Se fosse o Rashford, ou o Pogba, ou esses jogadores... Quando tens uma equipa desequilibrada as fraquezas são evidenciadas. A missão de Bruno Fernandes é criar oportunidades, é a sua melhor capacidade. Sim, pode ser um líder, um capitão, mas precisa de ter os melhores jogadores à sua volta e acho que a pressão que lhe foi colocada não foi justa. Basicamente, não podes fazer tudo sozinho. Ele expressa frustração e essa é a motivação que tem. Defendo-o porque acho que é o único que tem sido consistente, sempre a aparecer, com grandes exibições. Isso é um capitão. Não é justo olhar só para ele. Quando se tem essa frustração toda, mas, ao mesmo tempo, responsabilidade, porque se é capitão, é injusto olhar-se apenas para ele. O que acontece aos outros jogadores? Não gosto disso. Por isso defendo-o, sou um grande fã dele. Joga mais do que qualquer um, não concordo. Entendo a visão de Carragher ou Roy Keane, que estiveram lá há muito tempo, em grandes clubes, e entendem o que é ser um capitão, mas hoje em dia é diferente. Não é justo pedir a Bruno Fernandes para resolver tudo.

— Começou a jogar com Cristiano Ronaldo há mais de 20 anos, ele continua a jogar e a marcar. É uma loucura?

— Sim, é de loucos. Tenho imenso respeito por ele, imenso respeito pela entourage dele. Quem quer que o tenha inspirado teve um resultado incrível. Provavelmente foi abençoado por Deus, de tantas formas, é um ser humano único. E não estou a dizer isto porque joguei com ele, porque seria só alguém que passou por ele, como tantas outras pessoas. Sim, vi-o nos treinos, o que alcançou sob pressão, representando o seu país, representando tantos jovens, é o melhor embaixador que já vi em campo, porque ninguém mantém este tipo de qualidade por tanto tempo. Mesmo que Messi também tenha estado durante muito tempo, nunca representou a excelência do desporto em termos de treino, em termos de sacrifício, em termos de todos os momentos em que te colocas sob pressão, porque reivindicas que vais ser o melhor jogador, reivindicas que vais fazer hat tricks e ele foi o único que o fez e conseguiu provar que era capaz de fazê-lo. É por isso que tenho um enorme respeito por ele, para mim é o melhor embaixador, porque se alguém tivesse a oportunidade de seguir o caminho dele, eu não conseguiria seguir, porque ele era mais forte, mais capaz de sacrificar muitas coisas, de investir no seu corpo melhor do que qualquer outra pessoa. Uma grande conquista por muitos motivos.

— Algum momento especial desde os tempos de Old Trafford?

— Sim, muitos, levantámos troféus, especialmente nos primeiros anos, porque estávamos a ter dificuldades em termos de transição. Veio ele, vim eu, vieram muitos estrangeiros, porque perdemos David Beckham, começámos a perder toda a geração, então começámos a adaptar-nos e a ver alguns estrangeiros a falar português num dia, francês noutro, inglês noutro, era engraçado. Lembro-me de alguém que vinha sempre com o seu espelho para o balneário, porque olhava para ele próprio, a cada dois minutos, porque tinha essa visão de como seria um modelo, não só um ‘manequim’, mas alguém que seria um exemplo para muitas pessoas, lembro-me dessa visão, de como se comportava, dentro e fora de campo, a enorme capacidade para visualizar isso. É incrível, não sei se posso comparar. Talvez o Michael Jordan tenha isso, talvez o Kobe [Bryant] tenha isso, mas só... lendas do ténis como Nadal ou Federer, mas acho que não se veem essas coisas gerais tão cedo. Para mim, Cristiano é único, é por isso que digo que tem 700 milhões de seguidores, é uma loucura.

— Falemos do futebol francês: Mbappé deixou PSG e o clube ganhou a Liga dos Campeões, o que pensa disso?

— Acontece. Mbappé deu o passo que o PSG usou para aprender, para perceber o que tinha funcionado e o que estava a perder. Mbappé fez as coisas dele, ajudou o PSG e o PSG manteve a sua trajetória, tentou melhorar e fez muito bem, ganharam a Liga dos Campeões, ganharam muitos troféus, e acho que é essa a história, uma história normal, seria melhor para Mbappé ficar lá, ganhar com o PSG e ir para o clube dos sonhos na semana seguinte, mas o futebol não é uma indústria lógica. Lembra aos jogadores que um clube é melhor, um clube é maior e às vezes pensam que são os únicos que podem oferecer algo. O PSG provou a todos que é uma equipa, não porque há dois ou três anos tinha o Messi, o Neymar… e não conseguiram a final, isso dá aos treinadores uma boa história para contar, dizer que não é sobre Mbappé ou Neymar, ou só Cristiano Ronaldo, mesmo que eles sejam os melhores jogadores, é sobre com quem eles estão a jogar.

— Está impressionado com os jogadores portugueses do PSG?

— Sim, muito. Muito fã, mas isto não é apenas sobre os jogadores, é sobre os treinadores, estamos a criar treinadores incríveis, temos o prazer de ter muitos na Europa, que foram muito bem sucedidos e trouxeram uma nova filosofia, então quando agora vês um jogador como Vitinha, ele representa o teu tipo de futebol, muito suave, muito inteligente, dedicado, dá para ver que sacrifica muito, põe tudo em campo, por isso adoro o Vitinha e espero que um dia seja reconhecido como um dos melhores jogadores do mundo, porque para mim o PSG não pode ganhar a Champions sem ele, é tão simples quanto isso. [João] Neves que chegou e fez grande diferença também, são jogadores muito inteligentes, não precisam de ser os maiores, mas eles veem o futebol da forma como deve ser jogado.

— Acha que Vitinha teria a possibilidade de ganhar a Bola de Ouro? Ou daria o prémio a outro jogador?  

— Sim, mas para mim este ano é para o Dembélé. Não por ser francês, mas porque o Dembélé foi o melhor a evoluir. Sempre foi um diamante, alguém que pode ganhar, pode criar muitas coisas, mas o modo como se exibiu e trabalhou muito, acho que foi muito impressionante, foi uma época realmente incrível para ele, fez muitos golos, muitas assistências, teve momentos muito especiais durante o ano, mas Vitinha não está longe disso, tem sido para mim, quase o segundo jogador mais importante, o mais consistente, o mais impactante, de tantas formas, porque se não tiveres esse tipo de jogador no meio-campo, como o Rodri no Manchester City no ano passado... é uma grande posição, por isso sem dúvida que Vitinha, para mim, teve uma melhor temporada do que o Rodri como vencedor da Champions.