
Com a bola imobilizada no controlo fronteiriço da grande área se criaram grandes especialistas em livres diretos. Andrea Pirlo, por exemplo, escreveu o seguinte na sua biografia: “Quando marco livres, penso em português.” Tudo por ser Juninho Pernambucano a “inspiração” do cerebral transalpino que se imortalizou no domínio deste jogo dentro do próprio jogo.
Pode até ter sido só coisa de uma noite, mas terá o museu dos batedores de faltas que encontrar um espaço para homenagear Declan Rice. Geralmente, quando o jogo congela, não é ele que faz os comentadores descreverem o que estão a ver como um “penálti com barreira”. Existe algum fundamento para que tal se suceda. Não há atirador furtivo ilibado de prestar testes antes de ser contratado.
Contabilizando apenas encontros de clubes, o médio inglês chegou ao 339.º jogo como sénior na primeira mão dos quartos de final da Liga dos Campeões, na receção do Arsenal ao Real Madrid. Até aí, não existia qualquer exemplo pretérito de que, fazendo mira às zonas da baliza inalcançáveis para os guarda-redes, se pudesse contar com a fiabilidade do seu remate com a bola parada. Num “momento mágico”, descreveu à "TNT Sports", deu duas provas aos céticos.
Thibaut Courtois julgava ter a proteção de um dos lados da baliza garantida pela barreira. A segurança das malhas ficou comprometida por uma execução a desafiar as leis da física. O jogador dos gunners fez um remate a fechar parênteses, por fora da muralha de perfilados jogadores do Real Madrid. Um meteorito que invadiu a atmosfera sem se desfazer.
Declan Rice marcou assim o primeiro golo de livre direto na carreira. Tinham passado 12 minutos desde esse momento quando encarou de novo a petrificada bola. Seria heroico voltar a ter sucesso. Seria e foi. Não estava propriamente perto da baliza. O projeto arquitetónico do remate contemplava a obrigatoriedade do golpe ser forte para que, no longo trajeto, o guarda-redes não ajustasse o posicionamento a tempo. Passando da teoria à prática, o tiro entrou na zona onde o poste beija a trave. A estirada de Courtois ficou-se pelo andar de baixo.
O especialista desconhecido tornou-se o primeiro jogador a marcar duas vezes de livre direto num só encontro da fase a eliminar da Liga dos Campeões. O Arsenal é afamado pelos golos de canto. Em livres diretos, as dificuldades têm sido maiores. “Não marcávamos um livre direto desde setembro de 2021. Burnley, fora. Martin Ødegaard. Passou muito tempo. Marcar dois golos desta magnitude e qualidade em 12 minutos, através do mesmo jogador, um jogador que nunca tinha marcado de livre direto... Quais eram a probabilidades?” Mikel Arteta, treinador dos londrinos, ficou a pensar no assunto. Ele e meio mundo.
“Tenho praticado muito”, descortinou Declan Rice. O centrocampista foi o jogador em maior destaque numa noite “muito especial”, mas só com o golo de Mikel Merino foi estabelecido o resultado (3-0) que o Arsenal vai defender no Santiago Bernabéu. O contexto, avisa o ex-West Ham, será “completamente diferente” na segunda mão. Apesar da vantagem ser confortável, é a Liga dos Campeões. E é o Real Madrid.