
A vida do australiano Ryan Peake deu uma volta completa e vai levá-lo ao próximo British Open. O golfista venceu o Open da Nova Zelândia e de fora da lei, condenado a cinco anos de prisão, volta a ser estrela em ascensão de uma das modalidade mais elitistas do Mundo.
Começou a jogar golfe aos 10 anos, demonstrando desde logo um talento natural para a modalidade e rapidamente começou a materializar-se em troféus. Aos 17 anos, fez parceria com o atual campeão do British Open, Cam Smith, para vencerem a série Trans-Tasmania, na Nova Zelândia. «Ele ficava na minha casa sempre que havia eventos em Perth porque morava em Queensland», contou Peake. «Vejo-o na televisão e é exatamente igual ao que era, quando eramos miúdos e crescemos juntos. Ele não mudou, exceto o facto que agora tem 200 milhões de dólares na conta», disse o golfista com um sorriso.
Ninguém imaginava que aos 21 anos seria membro efetivo de um grupo motard, cujo nome era esclarecedor: Rebels Outlaws.
O grupo formado em Queensland, que no seu auge contava com mais de 1.000 membros espalhados por 70 filiais por todo o território australiano, dedicava-se ao tráfico de estupefacientes e armas, extorsão, proxenetismo, lavagem de dinheiro, sequestro, roubo à mão armada, etc.
Peake competiu no Open da Austrália aos 17 anos ao lado de jogadores como Fred Couples, Greg Norman e Adam Scott e decidiu tornar-se profissional aos 19 anos. Não correu bem. Peake sentiu que não conseguia dar o salto e desistiu. Começou a beber, muito, e a aumentar de peso. Dos 95 quilos passou para os 130.
«Não sabia o que ia fazer. Senti que tinha desiludido toda a gente», admitiu Peake. Nessa altura, já conhecia alguns motards dos Rebels e começou a sair mais com eles. Na verdade, adorava passar tempo no clube e se tornou-se membro aos 21 anos, totalmente integrado.
«Não há nada no mundo como esse sentimento. Não consigo descrever o quanto de orgulho senti por estar a vestir aquelas cores, roupas, a saber que tinha conquistado o direito de estar ali», contou.
Não tardou a começarem os problemas, vários antes daquele dia em 2014, quando ele e outros membros do gangue agrediram um homem que acreditavam estar a ameaçar disparar sobre eles. «Estava parado na entrada da garagem quando a porta começou a subir», disse Peake. «O homem saiu a correr, levantou a camisa e eu vi essa coisa castanha. Não sabia o que era, mas atirei-o ao chão», confessou.
Peake era um miúdo com 21 anos quando foi preso e enviado para a Prisão de Hakea, no sudeste de Perth, onde começou a cumprir uma pena de cinco anos, quatro anos depois de ser eleito Jogador de Golfe do Ano da Austrália Ocidental.
«Durante o primeiro ano em Hakea, não vi a minha mãe. Ela queria ver-me, mas eu não queria que ela me visse naquele estado», contou. «Estava uma miséria, mas comecei a correr. No início não conseguia correr mais do que um quarto do recinto e tinha de parar e começar a andar, não aguentava«, recordou.
Pouco tempo depois, recebeu uma carta e um número de telefone do conhecido treinador de golfe Ritchie Smith, que tinha ouvido falar do seu caso.
«Liguei para o Ritchie. Ele disse que tinha ouvido o que me tinha acontecido e perguntou-me o que é que eu ia fazer. Eu disse-lhe que estava a pensar aprender a ser eletricista. Ele ficou calado um bocado e depois perguntou: ‘E golfe?’. Faltavam-me cumprir dois anos da pena e pensei ‘Por que não?’ Quando vi os torneios na televisão, voltei a sentir aquela adrenalina da competição. Sabia que tinha de sair do clube, estava preso com alguns deles e contei-lhes a minha ideia. Disseram-me para ir em frente. Por isso, nunca lhes vou virar as costas. Eles queriam o melhor para mim», revelou emocionado.
O jogador cumpriu o último ano da sentença na prisão rural de Wooroloo, onde lhe era permitido visitas domiciliárias e 12 horas de liberdade a cada quinze dias.
Depois de sete anos sem pisar um campo de golfe, lembra-se bem da primeira vez que pôde fazê-lo, ainda em liberdade condicional. «O meu swing estava horrível, o taco parecia um tijolo», contou divertido. Inacreditavelmente, Peake venceu a competição do clube de Lakelands no terceiro dia de liberdade. Acabou o discurso a dizer: «Espero que aproveitem bem a noite, que eu tenho de voltar para a prisão.»
O australiano foi libertado em maio de 2019, com 25 anos, arranjou um emprego com horários fixos e pode treinar para continuar a melhorar. Sabe que será muito difícil chegar lá acima, mas continua a tentar. Para já, garantiu a presença no British Open e muitos olhares curiosos.