

No dia 30 de março de 2025 o Estoril Praia recebeu o FC Porto num encontro da 27ª jornada da Primeira Liga. Com golos de Yanis Begraoui, Samu Aghehowa e Rodrigo Mora, os dragões venceram por 2-1 e resgataram três pontos na visita ao Estádio António Coimbra da Mota.
A maneira mais simples de resumir o jogo seria esta. No entanto, em campo estiveram muito mais do que 11 jogadores de cada lado a procurar vencer o jogo. A premissa era essa, naturalmente, mas o choque jogado no presente colocou frente a frente duas ideias pensadas para ter sucesso no futuro.
Martín Anselmi e Ian Cathro eram dois desconhecidos há um ano, mas chegaram a Portugal e, depois de um início em ambos os casos marcados por derrotas e desconfianças, conseguiram dar, à sua escala, a volta por cima. O argentino guiou o FC Porto a duas vitórias consecutivas e, ainda que numa fase ténue, tem elevado o nível do jogo dos dragões. O escocês só perdeu dois jogos em 2025 (contra Sporting e FC Porto) e transformou a luta pela manutenção numa escada para ver a Europa, ainda que com binóculos.
Mais do que o presente, naturalmente importante, na Amoreira jogou-se o futuro. Ambas as ideias têm pernas para andar para a frente e o Estoril Praia x FC Porto teve momentos que o comprovaram. Mais do que um jogo, foi uma demonstração de futuro e de potencial à espera de ser evoluído e comprovado.
Martín Anselmi estabilizou o onze e é a partir da base que venceu o AVS SAD e o Estoril Praia que o trabalho pode ser feito. Entrando a meio de uma época praticamente perdida, era esta a primeira missão para o treinador argentino começar a implementar os seus princípios e o seu jogo. Não sendo um longe perfeito, muito longe disso, é uma equipa que oferece mais garantias.
Defensivamente, Iván Marcano é um perfil muito mais sóbrio do que Otávio ou Tiago Djaló. Sem as mesmas valências físicas, é mais complementar às características de Nehuén Pérez. A entrada de Stephen Eustáquio, a ganhar confiança para se projetar e procurar, ofensivamente, jogar na linha dos médios, também ofereceu mais recursos ao FC Porto que cresceu a partir de trás e, finalmente, já concentra os criativos.

Para conjugar em campo os três principais criativos, Martín Anselmi tinha de deixar um menos confortável. Fábio Vieira é um jogador de último terço e o seu pé esquerdo é tão mais útil quanto mais perto da área adversária for bem enquadrado. Ainda assim, face à saída de Nico González e à escassez de médios no FC Porto, recuá-lo para zonas de construção é um mal menor para os azuis e brancos. Conjugar o médio com Rodrigo Mora era a chave para o jogo dos dragões e os dois estão, finalmente, a ter consequência em conjunto em campo. Pepê, embora num momento de forma bem abaixo do que apresentou outrora, complementa o tridente que mais possibilidade tem de aproximar o FC Porto da área contrária.
Para acionar da melhor maneira os melhores jogadores, foi fundamental ao FC Porto jogar com mobilidade. A partir da direita, Rodrigo Mora teve liberdade para deambular a toda a largura do campo, flutuando ao ritmo da bola e do espaço para a receber, com discernimento para dar qualidade ao jogo azul e branco em espaços curtos, mas também para procurar ruturas nas costas da linha defensiva. À direita, o FC Porto concentrou frequentemente Stephen Eustáquio, João Mário, Fábio Vieira e Rodrigo Mora, procurando criar vantagens numéricas e situações de profundidade para um destes elementos atacar as costas da linha defensiva. É a partir destas sociedades que o jogo dos dragões ganhará personalidade e se desenvolverá.

Numa evolução com mais tempo, Ian Cathro vai reiterando a vontade em desenvolver um projeto a longo prazo. É esta a ideia (não assim tanto) revolucionária que devia basear qualquer equipa, mas que em Portugal parece cada vez mais utópica que guiou o Estoril Praia a uma época tranquila.
O próprio escocês evoluiu durante 2024/25. A mudança de sistema ofereceu conforto aos jogadores, mas foi a mudança de identidade e de vontade de ser protagonista que permitiu aos canarinhos subir de patamar. O Estoril Praia tem, na base da sua direção desportiva, conseguido recrutar vários nomes que se valorizam com bola, quer organizadores, quer desequilibradores. É, portanto, com uma postura ofensiva e ousada que estes nomes se valorizarão e que, coletivamente, o clube da Linha conseguirá chegar mais perto do topo.
No 5-2-3 o privilégio ao toque de bola é nota nos três corredores. À esquerda, o objetivo passa por enquadrar João Carvalho por dentro como um terceiro médio. Quer projetando-se para permitir ao melhor médio da Liga nos últimos dois meses baixar e lateralizar para escapar às marcações, quer ficando mais baixo para dar liberdade ao jogador formado no Benfica para circular por terrenos mais altos, Pedro Amaral procura complementar as ações do companheiro.

Se à esquerda se valoriza o cérebro, à direita o objetivo passa por permitir a Rafik Guitane e Wagner Pina desfilarem a ginga nos pés e nos movimentos. O extremo argelino é o principal destaque pela capacidade técnica em espaços curtos para receber, encarar o adversário e ultrapassá-lo. Quer por fora, claramente para assumir o 1X1, quer por dentro, visando rodar e ver o jogo de frente, quanto mais de Rafik Guitane houver no jogo do Estoril – e Wagner Pina é exímio a compensar os movimentos do colega – mais perto os canarinhos estarão da vitória.
No corredor central, Jordan Holsgrove é um dos melhores médios construtores em Portugal. Joga de cabeça levantada, limpa saídas e oferece soluções constantes. Xeka complementa-se, mais físico e forte na ocupação dos espaços, e ainda há nomes como Jandro Orellana e Vinícius Zanocelo. À frente Yanis Begraoui assumiu a titularidade como referência central capaz de se envolver com os colegas, baixando em apoio ou lateralizando, mas também com capacidade de atacar a área. Alejandro Marqués perdeu algum espaço, mas continua a ser um ponta de lança muito interessante e associativo.
Foi o venezuelano que entrou ao intervalo para a saída de Kévin Boma numa substituição ousada, mas reveladora da ambição que o Estoril Praia passou a ter. Mesmo perdendo defensivamente, com o 5-2-3 a dar lugar a um 4-2-3-1 menos capaz de defender a largura, os canarinhos procuraram dar uma nova vida a João Carvalho, fixando-o entrelinhas para explorar as costas dos médios e protegido pela presença de um 9 capaz de fixar os centrais, e confundir as referências da pressão do FC Porto. O resultado não sorriu, mas o processo está à vista e tem margem para crescer.

BnR na Conferência de Imprensa
Bola na Rede: O FC Porto cria hoje uma dinâmica muito forte à direita com o Eustáquio a aproximar-se do João Mário, do Fábio Vieira e do Rodrigo Mora e a equipa a procurar situações de vantagem numérica, atrair o Estoril Praia e colocar um jogador a atacar o espaço. Quão importante é, na sua dinâmica, aproximar os jogadores em campo para o FC Porto conseguir impor-se em campo?
Martín Anselmi: Sabíamos que o Estoril defende num 5-2-3, 5-4-1 e que os seus centrais são muito agressivos a saltar nos médios, tanto o direito como o esquerdo, mas o direito [Kévin Boma] ainda mais agressivo. Entendíamos que, a partir daí, quando a bola chega aos laterais… Por isso é que o João [Mário] joga de primeira com o Fábio [Vieira] na primeira oportunidade que tivemos na partida, quando jogamos contra blocos muito muito curtos, onde é difícil de entrar. Como disseste, é preciso muita fineza para colocar a bola dentro do bloco e deixar os jogadores de frente para procurar a profundidade. Temos bons jogadores, sabem deixar-nos de frente, juntar-se e ficar com a bola. Entendíamos que, chegados a um momento, era preciso atacar a profundidade, como foi o caso do Fábio [Vieira], do [Rodrigo] Mora, do Pepê. Tínhamos treinado isso. Quando se treina e depois acontece no jogo estamos mais preparados para resolver, mas depois há que ter os jogadores. São eles que têm a capacidade para fazer o que fazem em tão pouco espaço. Evidentemente que, se não tivessem essa capacidade, seria difícil de fazê-lo.
Bola na Rede: O Estoril Praia procurou constantemente o espaço nas costas dos médios do Porto. Na entrada para a 2ª parte, foi para ter o João Carvalho permanentemente neste espaço, que mudou o sistema e colocou um ponta de lança a fixar os centrais para criar mais espaço entrelinhas?
Ian Cathro: Sim. Foi uma coisa que nós procurámos, ganhar espaço de forma mais natural para ocupar ali e crescer com outras dinâmicas nos corredores, por fora. Acabámos por ter a referência do Alejandro [Marqués], que entrou bem e ajudou a equipa. Com a mobilidade e inteligência que o João [Carvalho] tem e a qualidade que o Rafik [Guitane] tem para vir do lado e ter essas dinâmicas, acreditámos que era possível ligar o jogo mais vezes e ficar mais alto em campo com as nossas linhas compactas. Foi isso que faltou. Quando nós cometemos erros na nossa construção antes de ter as linhas compactas é mais difícil. Se nós chutarmos a bola para a frente é mais fácil, mas nós queremos ser melhores e fazer um futebol diferente. Tenho de dizer mais uma vez parabéns aos jogadores para ter essa capacidade e vontade para jogar como queremos.