
“És o maior!”, alguém gritou das bancadas do Nordea Open, quando Nuno Borges já segurava o troféu do torneio de Bastad, na Suécia - é verdade, em todo o lado há sempre um português. No maiato ainda estava aquele ar incrédulo de quem acabou de tocar e agarrar com as duas mãos o objetivo que há muito acalentava, um primeiro título ATP, tornando-se apenas no segundo português a consegui-lo, umas semanas depois de João Sousa, o pioneiro, deixar o ténis no Estoril Open.
E Borges fê-lo juntando-lhe aquela matéria da qual os sonhos são feitos, como dizia Bogart no “Falcão Maltês”: batendo o maior jogador de terra batida de todos os tempos, Rafael Nadal, no seu quintal, em sets diretos (6-3, 6-2) - só Federer, Djokovic e Murray o tinham feito até hoje, só para vermos a magnitude do feito, mesmo que o Rafael Nadal de 2024 não seja, obviamente, o Rafael Nadal de outros tempos.
Mas a 21 de julho de 2024, Nuno Borges é mesmo o maior, como lhe gritou o compatriota, em court e também fora dele, mantendo a serenidade e graciosidade que lhe é conhecida, seja na hora de perder ou de ganhar. Este domingo ganhou, mas não se esqueceu de quem estava do outro lado, um gigante com 22 títulos do Grand Slam, em plena última dança pelos campos de ténis por este mundo fora.
“Nunca pensei que ia estar aqui, a jogar num court cheio, contra o Rafa, em terra batida. É um sonho tornado realidade, neste momento estou nas nuvens, apesar de não haver muitas hoje”, começou por dizer Nuno Borges na cerimónia de entrega de prémios, dando logo de seguida “os parabéns” ao espanhol. “Acho que toda a gente adora ver-te competir, aqui mas não só aqui, onde quer que jogues, as pessoas seguem-te. És uma grande inspiração para todos, especialmente para os jogadores que estão a começar”, continuou o número 1 português, que será 42.º do ranking daqui a algumas horas, a sua melhor posição de sempre na lista do ATP.
Ainda antes disso, ainda de suor na cara, minutos depois do último serviço (e de um ás, contra um ás) que lhe deu uma vitória histórica, o tenista de 27 anos, que se forjou sem pressas ou cortar etapas no circuito universitário norte-americano, assumiu-se “sem palavras”, ainda que ele tenha muitas, no inglês escorreito que sempre lhe sai da boca. As emoções são muitas, embargada e demorada sai-lhe a voz, e Nuno admite que até ele próprio, o adepto que há dentro de si, queria ver Nadal a ganhar, a ganhar uma vez mais, até porque sabemos lá quantas mais vezes poderá o espanhol ter essa oportunidade, a oportunidade que Borges, à primeira, não desperdiçou.
“Não sei mesmo o que dizer… há muito que desejava este momento e no ténis as coisas não acontecem quando estás à espera. Eu sei que todos queriam que o Rafa ganhasse, uma parte de mim desejava isso também. Mas algo maior dentro de mim levou-me para a frente, através das emoções, dos altos e baixos”, sublinhou, admitindo que nesta final “não era uma questão de jogar” o seu melhor ténis, mas “estar bem nos momentos importantes” - como nos pontos de break que não desbaratou, perante um Rafael Nadal que, todos sabemos, nunca foi rapaz de desistir, nem quando o seu físico, o físico de um tenista de 38 anos massacrado por lesões, o avisa das suas limitações enquanto ser humano.
Rafa e as palavras que deixaram Nuno nervoso
Rafael Nadal foi campeão em Bastad há 19 anos, com 19 anos. Só não fechou o ciclo no torneio sueco, nesta pequena cidade à beira-mar, com nova vitória por culpa de um tenaz português. A caminhada do espanhol até à final foi feita de maratonas - quatro horas de encontro frente a Mariano Navone nos quartos de final, por exemplo -, de pontos épicos, reviravoltas. Mesmo num torneio de categoria 250, onde há muito deixou jogar regularmente, Nadal deu tudo o que tinha. Por isso é que é um campeão.
E foi um campeão na hora de agradecer ao público de Bastad, que o apoiou sempre na montanha russa que foi o torneio, onde chegou à primeira final desde Roland-Garros de 2022. Agradeceu e tratou pelo nome próprio os responsáveis da prova, um sinal de respeito de alguém que, tendo já ganhado tudo, voltou a Bastad por circunstâncias da carreira, a jogar um torneio mais modesto, mas com o mesmo coração com que o fez há quase 20 anos.
Foi um campeão também, claro, quando teve de congratular Nuno Borges, aliás, a primeira coisa que fez no seu discurso. “Jogaste muito bem durante toda a semana, mereces mais do que ninguém”, começou por dizer. “Desfruta deste momento, é muito especial ganhar um título e desejo-te o melhor para o resto da temporada”, continuou. Palavras que emocionaram o português, que logo depois tomaria o microfone: “Eu já estava nervoso, mas depois do discurso do Rafa ainda estou mais!”.
No final do discurso, a descompressão chegou. Borges é um jogador pouco exuberante, tímido até. Sóbrio e despretencioso. Mas um dia não são dias e o português banhou-se no conteúdo da garrafa de espumante que lhe deram para a mão, um duche glorioso que deixou até Rafael Nadal a rir. Talvez o espanhol, tão habituado a ganhar, há muito não visse uma primeira vez de alguém. Não é preciso estares nervoso, Nuno. Contra o maior, este domingo foste o maior.