A seleção nacional de andebol é um conglomerado de almas maiores do que os próprios corpos. São gente dotada de uma carga emocional que contagia os corações de quem assiste. Agora, o mundo está ciente de que não há tormenta maior do que estes gigantes que passaram por tudo, por tudo mesmo, para ganharem à Alemanha e seguirem para as meias-finais.
O desfecho chegou a ser seguro. Depois, passou a ser incerto. O resultado chegou a estar nas mãos e, pouco depois, fugiu para tão longe que parecia impossível reavê-lo. A diferença fez-se nos últimos três segundos do fim, quando Martim Clutch Costa marcou o seu terceiro golo no prolongamento. A velocidade do som da buzina foi mais lenta do que a da luz que guiou Portugal para um encontro com a Dinamarca, tricampeã do mundo, na próxima fase.
Antes de tudo isto se passar, Paulo Pereira sorria para Salvador Salvador. Era o hastear de lábios que tantas vezes o vimos fazer em cenários de menor exigência. Honra seja feita aos dúcteis que chegam a um chão nunca antes sentido pelos pés e impulsivamente de adaptam a ele. É que dispensar o natural processo de ambientação é privilégio daqueles que usufruem de um histórico denso em experiências. Era o caso da Alemanha que há poucos meses estava a receber como oferenda pelo segunda lugar nos Jogos Olímpicos de Paris uma medalha de prata. Não era o caso de Portugal, a quem cabia acreditar no dito onde se consagra que a sorte, esse fator intangível, concede algumas beneficências aos principiantes.
São sempre muito relativos os sinais que interpretamos como prenúncios de um final feliz. Por isso, vale o que vale, mas, quando se projeta um vamossssssssss como os jogadores portugueses fizeram após o hino, a concretização da tarefa torna-se sempre mais realista.
Portugal estava a servir a garra como entrada e ainda não se sabia que o jogo começaria de tal maneira bem que os Heróis do Mar que a Alemanha pediu um desconto de tempo com o resultado em 5-1. Após alguns segundos a arejarem as ideias, os germânicos reagiram. Desde logo, porque se equiparam com o cérebro Juri Knorr que, vindo do banco, se juntou a Renars Uscins na lista de procurados pelos polícias da defesa portuguesa.
Uma vez atingida uma fase tão adiantada da prova, não era de se esperar um oponente sem capacidade reativa. Portugal teria era que se ajustar aos novos estímulos. Paulo Pereira organizou um congresso no centro do campo quando a Alemanha encostou o resultado em 7-5.
Seguiu-se uma fase atribulada do encontro, onde Portugal conseguiu resgatar a tendente superioridade no encontro graças à exclusão de Marian Michalczik. Luís Frade, como um quarterback, marcou dois golos que penalizaram a ausência do guarda-redes, estratégia dos alemães para atacarem em igualdade numérica. Nesta fase, os Heróis do Mar só na ausência do arcaboiço de Andreas Wolff conseguiam progredir no ataque. Para efeitos de uma temporária sacudidela do efeito do porteiro de discoteca, Francisco Costa (8/15) intrometeu-se.
Kiko tem esta virtude de se fazer grande através das suas habilidades. Julian Koster, de 2.03m, e Johannes Golla, de 1,95m, diante do lateral português, pareciam pequenos. Remates de todas as formas sobrevoaram estas duas montanhas face ao verdadeiro gigante. Porém, Andreas Wolff, depois de abrandar o ritmo perto do intervalo (13-9), regressou com o luar e em modo lobisomem para assombrar os atacantes fazendo efetivamente uma exibição monstruosa (2 defesas em 50 remates). Que o diga Martim Costa (4 golos em 12 remates).
Enquanto o guarda-redes alemão desesperava Portugal, os Heróis do Mar foram obrigados a lidar com todo o tipo de desafios. Antes dos dez minutos da segunda parte, Luís Frade deu um abraço excessivamente caloroso a Uscins e viu o cartão vermelho. A seleção perdia assim um dos seus bastiões defensivos. Pouco depois, nova aflição: duas exclusões deixaram a equipa de Paulo Pereia a jogar com menos dois jogadores. Assim, a Alemanha colocou-se pela primeira vez em vantagem (18-19).
O lado mau era que Portugal estava numa solução delicada. O lado bom era que o descalabro não teve consequências assim tão catastróficas. A 18 segundo do final do tempo regulamentar, com Koster de fora e os Heróis do Mar em superioridade numérica, Pedro Portela fez o 26-26, forçando o prolongamento (31-30). Aí, o show foi de Martim Costa que assegurou que o jogo mais importante do andebol português não era este, com a Alemanha, mas sim o que se segue.
Fica a proposta para um suspiro coletivo.