Os mitos são tantas vezes inexplicáveis, quão inexplicável é a vida própria que ganham. “Leiria não existe”, diz-se por aí, será tudo realidade virtual, há canções sobre isso até, anúncios gigantes na A1 sentido sul-norte, esqueçam os Silence 4, o Tromba Rija, o castelo, tudo isso é obra da imaginação de alguém. Será que está aqui, afinal, a internacionalização da Taça da Liga, para um sítio que não existe?

São brincadeiras, claro está, não se assustem. Se seguirem na auto-estrada a partir do norte, ali a seguir à saída de Pombal vai surgir uma placa para Leiria, um local real e bem real para o futebol português no que a troféus diz respeito. E para se ter jogado numa cidade que não existe, a final da Taça da Liga até existiu bastante. Um jogo aberto, caótico por vezes, equilibrado nos seus desequilíbrios. E emocionante, claro está, o que nem sempre é sinónimo de belo. A decisão nos penáltis, cruel para alguns, pareceu cair bem a um jogo em que as boas intenções redundaram numa certa bagunça em que, às tantas, ninguém queria merecer ganhar.

Mas as finais têm destas coisas: a vitória, ao contrário de Leiria, tem mesmo de existir. E o Benfica, dominador original da prova, voltou às conquistas que fugiam desde 2015/16. O Sporting, à segunda final do ano, saiu pela segunda vez com a medalha indesejada. Falhou Trincão ao sétimo penálti dos leões.

Se a final da Taça da Liga versão 2024/25 só tivesse existido até ao intervalo, era possível que estivéssemos aqui a perorar sobre um dos jogos mais estimulantes desta temporada. Assim acontece quando duas equipas entram sem cinismos, especulações ou olhares por trás do ombro para saber o que adversário vai fazer. O Benfica entrou esbaforido, raiado de sangue olhando para a baliza do Sporting, que não foi de modas, respondendo com mais eletricidade ainda.

PAULO NOVAIS

Então com pouco meio-campo, o Sporting tentava ataques rápidos, o Benfica, mais paciente, procurava os espaços e eles apareceram à esquerda. O duelo Carreras-Eduardo Quaresma foi, nos minutos iniciais, do melhor que se viu este ano. Seria talvez na primeira hesitação do defesa português que o Benfica chegaria à vantagem, aproveitou Schjelderup a linha de tiro que se abriu com o ligeiro atraso do adversário e o resto foi puro talento: um drible e remate ao poste mais afastado.

Num jogo tão aberto, não admirou ninguém a resposta imediata do Sporting, Gyökeres viu Quenda a aparecer na esquerda e foi lesto a entregar ao mais jovem de sempre a jogar a final da Taça da Liga, que rematou ligeiramente ao lado. Quaresma, numa cavalgada que rivalizou em beleza com alguns cortes que fez ao longo da 1.ª parte, driblou dois adversários na área do Benfica e tomou para si o remate, que saiu por cima - Gyökeres estava bem colocado. Minutos antes, Pavlidis não teve mira afinada para um cabeceamento onde podia ter feito mais.

O ataque do Sporting funcionava quase exclusivamente pela esquerda, fora a tal odisseia de Quaresma. Quenda e Maxi Araújo davam trabalho de sobra a outro Araújo, Tomás, e foi uma das entradas do lateral uruguaio na área encarnada a permitir o penálti (falta de Florentino) que Gyökeres concretizou, não sem espinhas, porque Trubin quase defendia, com a perna direita, o remate ao centro do sueco.

Ao intervalo, face ao divertido caos que transbordava em campo, o resultado não mentia.

Pena que, após o intervalo, as duas equipas tenham voltado com medo. Lage tirou Schjelderup e lançou Aktürkoğlu, trocando os alas de lado - Di María foi para a esquerda, numa mudança que foi inexplicavelmente momentânea. A saída de Schjelderup, face ao rendimento de Aktürkoğlu na 2.ª parte, só se explica por um problema físico.

PAULO CUNHA

Nunca abdicando de sair desde trás, arriscadamente não poucas vezes, o Sporting procurou ser o dono da bola, mas na frente houve pouca inspiração e, depois, pouca frescura. O Benfica, mais na expectativa, teve as melhores oportunidades, primeiro num remate de Di María aos 62’, depois por Pavlidis, que continua numa guerra muito pessoal com a baliza. Sem grandes soluções para mexer, Rui Borges lançou Harder para dar músculo, mas o jovem dinamarquês somou tantas arrancadas quanto más decisões.

O jogo, que antes estava divertidamente caótico, tornou-se horripilantemente caótico. A emoção da 1.ª parte transformou-se numa espécie de guerrilha fofinha e Hjulmand foi quase sempre o único garante de uma certa organização. Lage respondeu com um meio-campo pouco dado a rendilhados: Florentino, Barreiro e Renato Sanches. Ninguém queria perder e o querer ganhar ficou todo em campo nos primeiros minutos.

Os penáltis tornaram-se o definidor possível de diferenças. O cansaço na corrida de Trincão denunciou uma derrota que também se fez de quebras físicas. A vitória, pendesse para quem pendesse, nunca seria entusiasmante, mas o Benfica chegou à 8.ª Taça da Liga e Lage, mesmo sem sacudir os seus pecados, respira ligeiramente mais fundo.