Ter sido Luís Frade, com o seu cabelo apanhado atrás, a confiar no corpanzil para receber a bola, rodar nos sete metros e dar o saltinho a pés juntos, à pivô, para marcar o primeiro golo do jogo foi condizente com o milagre das águas no qual uns quantos jogadores portugueses têm confiado, ele incluído. As perninhas que todos os dias, no frio norueguês, vão molhar no lago diante do hotel da seleção pareceu inspirar o jogador, que pouco depois dava um passe pelas costas para Leonel Fernandes, à ponta, catapultar Portugal bem no início para uma vantagem que susteve durante algum tempo.

Vindos com embalo das três vitórias na fase de grupos, a mais apoteótica contra a anfitriã Noruega, os portugueses foram arranjando forma de se haverem com a barreira de matulões de suecos que assentavam a sua defesa em limitar as incursões do adversário em zonas de finalização dos sete metros. Fosse a libertar Leonel à ponta, pelo braço que Francisco Costa armava num ápice, sem tirar os apoios do chão, ou nas experimentações de Salvador Salvador na lateral esquerda para tirar proveito da sua estampa na carreira de tiro, Portugal arranjou soluções.

A alquimia das águas gélidas ainda poria Luís Frade na autoria do décimo golo quase no equador da primeira parte, quando a Suécia, perigosamente, pregava à seleção as partidas que muito impedia nos portugueses e furava em quase todos os ataques a barreira nacional, pondo gente a rematar na algibeira da área. O canhoto Lukas Sandell enganava braços na lateral enquanto Eric Johansson, a torre ruiva do outro lado, usava a sua altura. Os oito golos que acumularam mudariam a toada do jogo que Paulo Jorge Pereira falou de ser “um Evereste”.

Beate Oma Dahle

Os 15 minutos antes do intervalo seriam quase todos preenchidos na inversão de papéis, aí foi Portugal a caçar a desvantagem, falhando tentativas de transmissão curtas para o pivô, sofrendo contra-ataques por isso e sendo passivo, com a defesa organizada, a sair ao caminho dos principais rematadores suecos. Num desconto de tempo, o selecionador nacional apelou aos seus para se chegarem à frente, literalmente, que ousassem ir ao choque de corpos em vez de esperarem pela colisão.

A seleção atinou, aos poucos, também com a entrada de João Gomes, o novato e pequenote central que deu genica aos movimentos ofensivos. Para o fim da metade inaugural, Portugal reavivou-se, melhorou um pouco na remissão dos matulões suecos e um monte no uso dos seus para atacar a baliza. De novo apareceu Luís Frade, já atinado a receber passes por entre as vigilâncias apertadas, a fazer golos para colar a seleção a um empate no marcador ao intervalo. “A recuperação neste lago aqui ao lado tem sido essencial”, gabava Gustavo Capdeville, à Tribuna Expresso, quando contou sobre o mergulho dos membros inferiores dos portugueses nas águas geladas.

Do frio algo ficou, o contágio viu-se na maneira como a seleção manteve a rédea curta no marcador durante o quarto de hora após o reatamento. Como dedo molhado que cola num pedaço de gelo se lhe tocar, Portugal ora sofreu e devolveu o golo, ou marcou para logo na jogada seguinte sofrer. Se a insistência com que machucava a baliza sueca era constante, a porosidade a tentar travar os adversários, sempre a procurarem o remate dos sete ou seis metros, era também evidente. O jogo era um tu cá, tu lá de golpes sem que uma equipa forjasse uma armadura.

Stian Lysberg Solum

Com pouco menos de 10 minutos havia um 30-30, amontoado de golos a que muitos jogos completos nem cortejam chegar. Quando o gigante Eric Johansson foi expulso, aos 47’, por encostar a palma da mão à cara de Rui Silva, mais flagrante se pôs a tendência da Suécia em carregar com tudo a zona dos sete metros, mais ainda após os portugueses não aproveitarem os dois minutos com um corpo de vantagem no campo - porque logo a seguir, imitando o sentido do baile da partida, Kiko Costa seria excluído também. Nessa queda para furar der por onde der, a catapulta no braço esquerdo de Albin Lagergren, melhor marcador dos nórdicos no Mundial, massacrava a baliza portuguesa.

Os derradeiros minutos foram de igualdade ou perseguição para Portugal, preso ao prejuízo de um jogo de esticões e repelões, sem que alguém lhe pegasse no leme, por cada golpada corajosa do mais novo dos manos Costa, a bater contra corpos maiores do que o dele, ou ossatura dadas às balas por Luís Frade, o fresco Lagergren, que apenas jogou a segunda parte, devolvia a gentileza nos golos. À entrada na última volta ao relógio era retomado o empate, teimoso embora uma vestimenta que assenta bem justa ao corpo da partida. O derradeiro ataque pertenceu à Suécia, a potência do andebol, candidata a tudo, frustrada pelos portugueses pequeninos em história de conquistas, mas a voarem nas asas desta geração que enche o peito contra todos por estes dias.

E nos dois atos de desfecho do encontro, quando a bola era da Suécia, no momento em que a súplica era defender, aguentar, resistir como antes não se vira com consistência, os jogadores da seleção fizeram-se muros. Já tarde, Vitor Iturriza intercetou o passe que marcou o penúltimo golo de Portugal, empatou o jogo e impediu a Suécia de porventura alargar a vantagem. Pormaior depois, com o 37-37 que seria final, a competência de Luís Frade, uma muralha por si só, a bloquear investidas de suecos e a barrá-los com o tipo de faltas inocentes no andebol, fundamentais de serem feitas na defesa da área. Com sete golos feitos e uma exibição das recheadas, o pivô seria eleito o melhor em campo.

Com algo de especial e de bom estão a ajudar as águas do lago lá em frente ao hotel.