Durante algum tempo, o Benfica foi transportado, no olímpico de Montjuïc, para um terreno no qual era quase impossível competir com o Barcelona. Se a tarefa na Catalunha seria sempre hercúlea, particularmente após o 1-0 da Luz, ir para um duelo de feitiçaria perante um coletivo cheio de candidatos a receberem as corujas de Hogwarts ia quase além do humanamente exequível.

Perante Lamine Yamal, mago que desafia o tempo, a idade, a lógica, o ciclo da vida, e Raphinha, craque a viver a temporada de uma vida, um Raphinha a triplicar face ao Raphinha do passado, minutos houve em que o Benfica esteve num jogo que não conseguia plenamente decifrar. O resultado foi o esperado, um 3-1 que leva os espanhóis para os quartos de final da Liga dos Campeões.

A hipótese de um dia épico em Barcelona começou, cedo, a esfumar-se para o Benfica. 1-0 aos 11', 2-1 aos 27', 3-1 aos 42'. Rapidamente o que esteve em causa deixou de ser a eliminatória, mas sim a memória dos feitiços de Yamal, da eficácia de Raphinha, na longa espera até ao final que se deu no segundo tempo. Às vezes, uma equipa ganha simplesmente porque o futebol é simples e quem tem os melhores ganha. Foi o que sucedeu.

O grande prodígio adolescente do futebol global até sofrera bastante nos dois jogos anteriores diante do Benfica. Muito bem defendido por Álvaro Carreras, Yamal pouco desequilibrou em ambas as partidas na Luz, tendo sido substituído, na primeira mão destes oitavos de final, com visíveis sinais de frustração.

Sem o seu compatriota pela frente, Lamine foi rápido a provar que tudo seria diferente. O seu jogo foi mais bailado que futebol, mais troca de pés do que dribles. Tu vais para ali, eu vou por ali. Engano, simulação, intuição, como se ainda estivesse em Rocafonda, o bairro da sua infância e cujo código postal — 304 — mostra como celebração de cada golo.

O primeiro remate do fim de tarde foi de Yamal, uma finalização para defesa segura de Trubin. O segundo, de Lewandowski, surgiu de um lance criado pelo craque que ainda não tem idade para votar nem para conduzir.

Raphinha atira para o 3-1
Raphinha atira para o 3-1 Florencia Tan Jun - UEFA

Entre as ações de brilhantismo de Lamine Yamal, a madrugada do jogo viu uma sucessão de foras de jogo, como se este fosse um confronto entre equipas de miúdos que só agora começaram a jogar com esta regra em vigor. Nos oito primeiros minutos, houve quatro futebolistas apanhados em posições adiantadas.

Aos 11', o menino dos pés de ouro e da mente com uma velocidade de raciocínio de um super computador foi o fator que fez a diferença. Com uma simulação, Florentino e Otamendi saíram do caminho de Yamal, que serviu Raphinha para o 1-0.

A resposta do Benfica não poderia ter sido melhor. Canto da esquerda batido por Schjelderup, cabeceamento de Otamendi para o 1-1. O campeão do mundo terminou com 346 minutos seguidos de futebol sem o Benfica lograr marcar em casa do Barcelona. Desde o golo de César Brito, aos 27' de uma visita das águias em 1992, o Benfica ficara em branco em 2006, 2012 e 2021.

Foi o único disparo dos visitantes no primeiro tempo. A igualdade só durou 14 minutos, antes dos feitiços de Yamal voltarem a encantar Montjuïc. O adolescente pegou na bola na direita, tirou Tomás Araújo do caminho e, na passada, acariciou a bola, deu-lhe um mimo, um suave toque que a fez ir deslizando pelo ar da Catalunha, pelos céus de Barcelona, que naqueles instantes concentraram os olhares da Península Ibérica, atónitos perante tamanha magia.

Montjuïc foi construído em 1927 para albergar a exposição internacional de 1929. Foi renovado em 1989 para receber os Jogos Olímpicos de 1992. É palco de proezas e façanhas, lá Messi estreou-se na equipa principal culé. É, a partir desta tarde, palco de nova pintura do menino do código postal 304.

A partir do 2-1, os visitantes tiveram ainda mais dificuldades. A linha muito subida do Barça encolhe muito o campo, aperta-o, obriga a precisão na circulação e coordenação para aproveitar o espaço nas costas. O Benfica não teve nenhuma das duas e, depois do golo de Otamendi, só voltou a rematar aos 66', com Szczęsny a negar Pavlidis.

Os homens de Flick, líderes da La Liga e ainda em disputa pela Taça do Rei, chegam a esta fase da temporada a sonhar com a melhor campanha do passado recente do clube, cheios de otimismo e energia. A certo momento antes do descanso, os blaugrana foram uma tempestade de talento que o Banfica, simplesmente, não conseguia conter, como se do outro lado estivessem pessoas que falavam uma linguagem diferente, que jogavam num comprimento de onda diverso, ilegível e imparável.

Aos 41', Lewandoski não conseguiu superar Trubin, num embate entre polaco e ucraniano que foi sempre vencido pelo guardião. O 3-1 chegaria mesmo antes do descanso, num contra-ataque conduzido por Balde e finalizado por Raphinha. O brasileiro marcou cinco vezes em três confrontos contra o Barcelona em 2025/26.

A etapa complementar arrancou com Raphinha e Olmo a ameaçarem, mas rapidamente se perdeu que os feitiços do primeiro tempo ficariam lá, na primeira parte, como tesouro a guardar na memória, como marca mais especial destes oitavos de final. Com o passar dos minutos, as substituições de ambos os lados e a consciência de que tudo estava decidido levaram a um relaxamento mútuo, quase à espera da conclusão.

O Benfica teve, nos derradeiros instantes, chances para o 3-2. Dahl foi negado por Iñigo Martínez, Koundé evitou males maiores de Amdouni. O apito final chegou com a sensação de uma lição de magia a abrir e conformismo a fechar. O melhor ataque da Liga dos Campeões (já 32 golos marcados) foi demasiado para o Benfica.