Começou quando eram 21h00 em Portugal continental, terminou às 1h39. Teve cinco golos, três deles em nove minutos, teve um penálti aos 90+5'. Esteve parado durante duas horas, houve um cartão vermelho. Acabou com uma lenda despedir-se.

O Benfica-Chelsea foi a partida interminável. As já clássicas tempestades forçaram uma interrupção, obrigando a que se esperasse que houvesse 30 minutos sem trovoada em Charlotte. Quando se terminou de aguardar, Di María, no último jogo pelo clube a que chegou menino, em 2007, vestiu a capa de herói. Ganhou uma falta, bateu um livre, executou um penálti. O 1-1, bem para lá dos 90', dava esperanças aos lisboetas.

No entanto, o segundo tempo do prolongamento matou as ambições das águias. Qual maratona, o encontro dos oitavos de final já ia em mais de quatro horas de duração, a lucidez fraquejava, o sangue frio rareava. Aos 108', Nkunku fez o 2-1 e, a partir daí, o Benfica ruiu, concedendo contra-ataques, tornando uma contenda que levou os encarnados a sonharem num pesado 4-1, derrota já selada quando o sol da Carolina do Norte dera lugar à noite, com todas as nuances luminosas que houve pelo meio num duelo que foi como uma testemunha da passagem do tempo

Um arco-íris durante a interrupção do jogo em Charlotte
Um arco-íris durante a interrupção do jogo em Charlotte Jared C. Tilton - FIFA

A solução milagrosa que parecia resolver os problemas físicos de Renato Sanches durou uma semana. Uma vez mais, o médio falhou um encontro por lesão, com Florentino, Barreiro e Kökcü no centro do terreno. Entre os rumores da saída para o Real Madrid, Álvaro Carreras foi suplente e nem um minuto havia passado e já Dahl, substituto do espanhol, tinha de correr atrás de Pedro Neto, a gazela dos blues que atirou para a primeira defesa de Trubin.

Entre este lance e o desfecho da eliminatória pareceu ter passado um milénio, uma era, talvez uma idade geológica do planeta, quem sabe até os próprios polos terrestres tiveram tempo para se inverterem, imagine-se lá o que terá ocorrido nesta eternidade em que duraram os oitavos de final no calor de Charlotte.

No arranque, o Benfica apresentou-se no desafio com algum desconforto. O Chelsea apertava a saída de bola das águias, dando espaço na defesa que o conjunto português não conseguiu explorar. No primeiro tempo, os homens de Lage não realizaram nenhum remate à baliza dos de Maresca, perdendo-se muitos ataques em passes longos, da direita para a esquerda, sem precisão. Sendo honestos, o 1-1 chegou quase na primeira oportunidade de golo dos bicampeões europeus.

James remata para o 1-0
James remata para o 1-0 Darren Walsh

Em Charlotte, muitos milhares dos 74.867 lugares do estádio estavam vazios. O já clássico calor dos Estados Unidos fez-se sentir, tornando cada grande plano da face dos jogadores na exibição de esgares de dor e suor, como cowboys num western, com marcas da temperatura elevada caindo pela cara.

Tal como diante do Bayern, Trubin começou por agarrar a baliza a zeros do Benfica. Mas, antes do ucraniano, foi António Silva a tirar o golo a Cucurella, festejando como se tivesse sido ele a marcar. Logo a seguir, Palmer driblou Aursnes e esbarrou no guardião encarnado.

Aos 38', Cucurella, isolado, encontrou-se com um ucraniano que faz defesas como se fosse um ginasta de solo com braços de gigante, esticando-se na relva antes de abrir os seus enormes membros superiores. Trubin deu a Lage tempo para tentar alterar ao intervalo.

O técnico lançou Aktürkoğlu para o lugar de Schjelderup e o recomeço foi mais morno, sem muitas ações junto das balizas. Até que, aos 64', um dos destaques do Benfica no torneio foi traído por uma barreira que não pareceu bem formada, pelo excesso de confiança, pela má leitura, pela precisão do batedor do livre. Reece James bateu uma falta lateral a partir da esquerda e o guarda-redes não corrigiu o seu posicionamento a tempo. 1-0.

Os portugueses tiveram quase sempre muitos problemas para se aproximarem do golo. Aos 78', Prestianni, após bom lance de Aursnes, falhou a finalização, no primeiro capítulo de uma exibição desastrada.

E eis que, a cinco minutos dos 90, chegou uma convidada habitual do Mundial, uma presença comum e persistente. A tempestade, a suspensão da partida.

O penálti para o 1-1
O penálti para o 1-1 Justin Setterfield - FIFA

Eram precisos 30 minutos contínuos sem trovoada para que o jogo retomasse. A meia-hora não chegava e a espera durou mais de duas horas. Depois da tempestade, veio a esperança para o Benfica.

Di María agarrou na fé. Pegou na bola, ganhou um livre, colocou-o na cabeça de Otamendi. Malo Gusto tinha o braço esticado e a bola foi lá parar, levando-a para o pé esquerdo de Di María. O homem dos golos nos grandes momentos bateu o penálti para o 1-1.

Acabávamos de vir de 120 minutos de pausa, mas a tensão do embate fazia parecer que nenhum pingo de intensidade se perdera. A começar o prolongamento, Prestianni, autor de minutos para esquecer, foi expulso.

O Benfica ainda ameaçou o 2-1. Kerem e Di María tiveram saídas promissoras, mas não definiram da melhor foam. Esgotada, a equipa de Bruno Lage sucumbiu já na segunda parte do prolongamento, perdendo bolas que não poderia perder, permitindo contra-ataques às gazelas dos londrinos. O 2-1 de Nkunku, aos 108', foi o momento decisivo, Pedro Neto e Dewsbury-Hall limitaram-se a dar contornos de derrota dura.

O Chelsea mantém-se adversário de má memória. Depois do amargo de boca de 2012, do trauma de 2013, de Meireles e Ivanovic, chegou um jogo único. Eterno. No final do que parecia não ter fim, o Benfica perdeu a lucidez necessária e, com ela, foi-se a presença no Mundial de Clubes.