
Comecemos pelos últimos 20 minutos do jogo.
A bola estava ditatorial nos pés do Manchester United e a cadeia de produção não divergia muito de Harry Maguire a passar para a direita, onde Leny Loro a recebia cheio de estilo e dirigia o passe seguinte a Diogo Dalot, ainda mais à direita, previsivelmente obrigado a orientar a sua receção para trás, buscando um Manuel Ugarte que se aproxima pelo centro e obrigado a fugir rumo à linha lateral para arrastar a marcação que tem em cima e abrir espaço ao posterior passe poder entrar em Bruno Fernandes. Invariável na proveniência, previsível na feitura como o pau no qual se enrola um algodão-doce, ainda assim o United impôs-se nas vezes em que deixava o seu capitão em condições de decidir em quem metia os passes seguintes, num estilo mais de improviso do que de método trabalhado.
Com ou sem plano, mais atabalhoado ou fluído, o Manchester United empurrava o Everton para trás, alcançava lugares de remate à baliza, era perigoso nas investidas atacantes. E em dois livres, marcou. No primeiro à boca da área, Bruno Fernandes aproveitou o sinal de GPS estragado de Jordan Pickford, guarda-redes que se escondeu atrás da barreira e convidou o português a rematar para o lado previsível. No segundo, cruzou a bola, ela foi cortada e Manuel Ugarte puxou do seu pé esquerdo para rematar o ressalto lá para dentro. A esquizofrénica das equipas empatava o jogo, estava viva, ainda esperneava e tinha pulsação, podiam abortar o desfibrilador.
Mas, nos 70 minutos prévios, o United gritara pelo suporte básico de vida.
Nesse tempo teve um jogo, mais um, de sofrimento constante, a mostrar ser uma equipa sem nexo e desprovida de uma linha condutora discernível. Qualquer bola posta na sua área era um ai-jesus de hesitações. Outra parelha de meio-campo via-se engolida pela pressão adversária e sucumbia nos duelos (desta vez, Casemiro e Ugarte). Ao ataque raramente chegava e lá estavam Zirkzee e Hojlund, figuras de corpo presente a perseguirem bolas sem esperança. Bruno Fernandes tentava um passe longo, depois outro, e outro, mais um a seguir, cada um a despedaçar uma equipa partida no campo. Harry Maguire parecia um baleeiro na defesa, à deriva por entre corpos mais ágeis e esquivos do que ele.
E o agastado Ruben Amorim a caminhar nervosamente de um lado para o outro à frente do banco, tantas vezes com o olhar preso em baixo, a fitar o vazio, quase perdido numa redoma autista quando não estava inerte, com os joelhos dobrados, na pose de cócoras que lhe é característica. Ultimamente é a postura de um homem encurralado pelo eito do qual não tem sido capaz de desviar o Manchester United.
Vestido com uma camisola vintage nos padrões e oversized no tamanho, o português presenciou o desenlace de mais uma partida pobre, sem evolução aparente, da sua equipa. Amorim falara do “som diferente dos treinos”, seja já o que isso quiser dizer, de como o antigo David Moyes está “a fazer um melhor trabalho” do que ele, de este United provavelmente ser o pior da história, do facto de sentir-se responsável, em parte, pelo despedimento de funcionários no clube devido aos maus resultados no campo que não garantem receitas. No Goodison Park factualmente em fim de vida, o prestes a ser descontinuado estádio do Everton - trocará, em breve, para o seu novo recinto -, a sua equipa nada disse de novo. Foi outra ausência total de progressos da parte do Manchester United.
Tudo acabou empatado porque as últimas dezenas de minutos do United serviram só para igualar os golos de Beto, o avançado luso-guineense, e de Doucouré, marcados na primeira parte. Os red devils ficaram no 15.º lugar em que estavam, os toffees igualmente imóveis, um degrau acima. Em 11 jogos feitos neste 2025, a equipa de Ruben Amorim só venceu cinco.
E na bancada, encadeado pelo sol de final de tarde, via-se Alex Ferguson a apontar para sítios que não o relvado onde Ashley Young acabara de cair na área, preso nas pernas do desastrado Maguire, pensando que sacara um penálti nos descontos. Chamado pelo VAR, o árbitro reverteria. Foi um encadear de momentos simbólicos na sua coincidência: por minutos, pensou-se que o único campeão inglês em campo, titulado em 2013 pelo United, provocara uma hipótese flagrante de o Everton treinado por David Moyes, o escocês herdeiro que o escocês-mor elegeu, nesse mesmo ano, para o suceder no cargo maldito, causar mais uma desfeita ao clube que não vence uma Premier League desde essa que seria o catalisador da sucessão de desgraças vistas desde então.
Na ponta do seu dedo, Ferguson tinha um “vê lá se consegues ver o Manchester United ali ao fundo”, tão longínquo que está no tempo e na memória desta equipa que há mais de uma década é siamesa do sofrimento.