
De uma certa perspetiva, algumas regiões da Suíça parecem uma sala de pânico contra a agitação do dia a dia. A natureza parece mandar mais que os humanos. A harmonia fez uma triagem bem-sucedida entre o que pode ajudar ao cenário e o entulho paisagístico. Cercado por Alemanha, Áustria, França, Itália e Liechtenstein, só não há espaço para que o país possa ser tocado pelo mar.
Se o território helvético é no interior da Europa, Sion é no interior do território helvético. Trata-se de uma cidade pequena, onde a seleção portuguesa fez o último dos seus três jogos no Europeu de futebol feminino. Poucos minutos de autocarro e as casas deixam-nos a sós com as montanhas. Não é possível escutar o mar, quando muito os pássaros. Sabemos apenas por informações recolhidas previamente que indagando um pouco mais na calmaria iremos encontrar o que procuramos. E lá está ele, o oásis dos surfistas localizado a mais de 400 quilómetros das praias italianas banhadas pelo Mar de Ligúria.
De dentro, vê-se tudo para fora. De fora, não se vê nada para dentro. As ondas parecem guardadas num cofre de acesso controlado. Têm honras de artefacto que potencialmente pode fazer salivar os ladrões. Basta atravessarmos uma porta automática, não um areal, e estamos em risco de ser salpicados. Ao ar livre, com os Alpes a verem tudo desde cima, lá estão as rampas hidráulicas onde escorregam as pranchas.
“Temos as melhores vistas. Acho que ninguém nos faz concorrência.” Michael Solioz é o diretor do Alaïa Bay. Foge ao estereótipo do tipo de fato e gravata que vem, aprumado, representar a sua empresa. Não o faz de pior maneira por surgir de boné, bolsa a tiracolo e calças largas que terminam antes do vislumbre das sandálias.
Pára à sombra da torre do nadador-salvador e vai direto ao assunto. Como é possível surfar no sopé dos Alpes? Pode não parecer, mas no centro da piscina está uma caixa azul recheada que é o coração das ondas. Ali, estão 46 motores compactados. “Cada um tem força suficiente para mover um camião. São grandes e potentes. Debaixo da piscina há placas de metal em cima de rolos que se movem como uma serpente”, explica.
Não é o melhor momento para Michael Solioz promover as potencialidades do sistema WaveGarden instalado na piscina. As ondas que vemos são miúdas. Está a decorrer uma aula de rookies, ou seja, pessoas que estão pela primeira vez em cima de uma prancha e são acompanhadas por instrutores. A inexperiência dos praticantes obriga a acalmar este mar, entre aspas. No entanto, outras sessões são sobrecarregadas por profissionais que não precisam de qualquer acompanhamento.
Ainda conseguimos ver pessoas com habilitações mais sedimentadas a zarparem em escorregas de cloro e a apontarem os bicos das pranchas para o topo das montanhas com resquícios de neve. A artificialidade das ondas permite controlar o tamanho - varia entre os 80 centímetros e os dois metros -, o formato e o ângulo. A experiência é “personalizada”, diz o responsável, de acordo com o nível dos surfistas e o tipo de manobras que queiram treinar. “Quando vais para o mar, nunca tens a certeza de que vais apanhar uma onda.” O mesmo não acontece no Alaïa Bay, onde a natureza é manipulada.
É um surf de plástico em que a espuma das ondas não se desfaz na areia, mas que foi o último recurso que Adam Bonvin, o fundador, encontrou para satisfazer a vontade de se encavalitar na água. Até o Alaïa Bay abrir, em 2021, tornando-se a primeira piscina de surf na Europa continental, tinha que viajar até outros países para dar uso ao fato de licra.
“Os custos de manter a tecnologia são altos, mas é um negócio lucrativo”, reflete Michael Solioz que filtra o tipo de público que a infraestrutura recebe. Num universo de “cerca de 50.000 a 60.000 surfistas por ano”, 10% vêm do cantão de Valais (cuja capital é Sion), 40% do resto da Suíça e os restantes 50% de países das redondezas como Itália, França e Alemanha. Por isso, as oportunidades de negócio não param de crescer. “O que é mais interessante neste projeto é que é como se fosse o novo golfe. Estão-se a criar vilas e casas à volta das piscinas de surf.”
Com a modalidade “mais e mais acessível para mais e mais pessoas”, pode fazer surf aquele que nunca viu o mar. São dias de angústia para os puristas.
* a Tribuna Expresso viajou a convite do Turismo da Suíça.