
Por ocasião do 75.º aniversário da tragédia de Superga, quando o avião que transportava a equipa do Torino acabou por embater no muro traseiro da Basílica situada no monte com o mesmo nome, nos arredores de Turim, num desastre sem sobreviventes, ao regressar de um jogo com o Benfica, em Lisboa, a embaixada italiana em Portugal, o Torino e o Benfica uniram-se para levarem a cabo, no Museu Cosme Damião, paredes-meias com o estádio da Luz, uma exposição temporária, com elementos físicos que fazem parte de uma história profundamente emocional. Até maio deste ano, quem visitar o museu encarnado terá a rara oportunidade de ter contacto direto com alguns objetos que têm tanto de fascinante como de trágico. A Bola, que teve como cicerone o curador do Museu Cosme Damião, o dr. Luís Lapão, visitou a exposição e nas páginas que se seguem partilhamos as razões que levam a que o Benfica e o Torino (que em 1949 tinha a melhor equipa do Mundo e nunca recuperou desportivamente de Superga), são clubes irmanados numa dor que se transformou em amizade, cumplicidade e profundo respeito. Mas comecemos por contextualizar a história, antes de nos fascinarmos com a sabedoria que Luís Lapão irá partilhar connosco durante os próximos dias...
D. MARIA PIA DE SABÓIA
O eterno descanso de Dona Maria Pia de Saboia - nascida em Turim e sepultada em 1911 na basílica de Superga, no cimo do monte com o mesmo nome, com 672 metros, situado na margem direita do rio Pó, nos arredores da capital do Piemonte, filha do Rei Vítor Emanuel II de Itália, Rainha Consorte de Portugal durante 27 anos, por casamento com D. Luís I, e mãe do Rei D. Carlos, assassinado no Terreiro do Paço a 1 de de fevereiro de 1908 - foi abalado pela explosão de uma aeronave, no dia 4 de maio de 1949, que se desfez contra a basílica, num terrível acidente provocado pelo nevoeiro, que traiu o piloto Pierluigi Meroni, um veterano da II Guerra Mundial, e custou a vida aos 31 ocupantes do Fiat G.212 da Avio Linee Italiane, que tinham embarcado nessa manhã no aeroporto da Portela, em Lisboa, pelas 9h52, e feito uma escala para reabastecimento, às 14h50, em Barcelona. Eram 17h05 quando a aeronave embateu no muro posterior da basílica de Superga, escrevendo-se nesse minuto uma das histórias mais trágicas do desporto mundial.
DE GÉNOVA AO JAMOR
Tudo começou a 27 de fevereiro de 1949 quando Portugal defrontou a Itália no estádio Luigi Ferraris, em Génova, em jogo particular vencido pelos transalpinos por 4-1 (ficando para a memória do desporto nacional a grande exibição do lateral direito portista Virgílio, a partir de então conhecido pelo «leão de Génova»), e o capitão da Seleção Nacional, o benfiquista Francisco Ferreira, amigo do ‘divino’ Valentino Mazzola, considerado um dos melhores jogadores italianos de sempre (penalizado na dimensão por não ter havido Mundiais na década de 40) pediu que este intercedesse junto do seu clube, o Torino, conhecido pelo Grande Torino por ser na altura a provavelmente a melhor equipa do Mundo (o Vasco da Gama e o River Plate dominavam na América do Sul) para que a ‘squadra’ de Turim estivesse presente, no Estádio Nacional, na festa de homenagem que o Benfica estava a preparar-lhe. O pedido de Francisco Ferreira a Valentino Mazzola acabou, depois de alguma resistência da direção dos tetracampeões de Itália, por receber luz verde e no dia 1 de maio de 1949, um domingo, o Grande Torino desembarcou em Lisboa para se mostrar aos adeptos portugueses na terça-feira, 3 de maio, no vale do Jamor. Para que se tenha ideia da importância da partida, basta atentar no preço dos bilhetes: uma bancada central custava 80 escudos (40 cêntimos) e uma cabeceira, 15 escudos (7,5 cêntimos), quando o salário de um professor de liceu em início de carreira em 1949 variava entre os 1000 e os 1200 escudos (cinco e seis euros). Ou seja, os ingressos hoje custariam 80 euros a central e os 15 euros a cabeceira. Mesmo assim, juntaram-se a um dia de semana 40 mil pessoas no ‘ai Jesus’ do Estado Novo, inaugurado menos de cinco anos antes, para ver o Benfica-Torino. No final da partida, nenhum adepto chorou o dinheiro. O espetáculo tinha sido de grande nível e o Benfica, desafiando as probabilidades, venceu por 4-3, com golos de Melão (2), Rogério Pipi e Acúrsio. Pelos italianos marcaram Ossola, Bongiorni e Menti. Valentino Mazzola, a estrela da companhia, ficou em branco, mas a 25 de maio de 1967, o seu filho, Sandro, já bicampeão europeu pelo Inter de Helénio Herrera (em 1965 venceu a final disputada em San Siro, contra o Benfica) marcou na final da Taça dos Campeões Europeus de 1967 (vitória do Celtic - os Lisbon Lions – por 2-1), no mesmo palco onde o pai jogara pela última vez: o Estádio Nacional, no vale do Jamor.
A 3 de maio de 1949, Francisco Ferreira recebeu a Taça Olivetti, destinada ao vencedor do Benfica-Torino, e os italianos ofereceram aos encarnados uma miniatura, em prata, da Mole Antoniellana, ex-libris da capital do Piemonte. À noite as equipas, dirigentes, políticos e diplomatas reuniram-se num jantar de confraternização no Campo Grande, e no dia seguinte o Grande Torino partiu, do hotel do Estoril onde estava instalado, para a sua derradeira viagem.