Existe um dito popular que diz o seguinte: “A teimosia transforma as grandes barreiras em pequenos obstáculos e constrói os grandes vencedores.”
Eu concordo em parte com esta afirmação, sempre e quando essa teimosia seja justificada e consistente com o contexto na qual esta é proferida. A teimosia pode também custar um preço bem alto e insistir em coisas que não dão certo, pode levar o ser-humano a cometer erros que poderão causar um dano ainda maior.
Quando Rúben Amorim foi apresentado no Manchester United, vinha dum ciclo vitorioso e de um trabalho absolutamente fantástico ao serviço do Sporting.
Contudo, o Manchester United não é o Sporting. E até vou mais longe, o onze inicial do Sporting de Amorim era mais forte e competitivo do que qualquer onze inicial que Amorim possa escalar nesta equipa do Manchester United.
Além disso, o Manchester United vive uma das suas maiores crises desportivas e de identidade e é um clube que se tarda em reencontrar desde que se viu órfão do mítico Sir Alex Ferguson. A última Premier League foi ganha há mais de 10 (!) anos.
A herança de Amorim no Manchester United é bem pesada. Apesar de ser fortemente criticado e nunca ter sido do agrado da generalidade dos adeptos da equipa inglesa, Erik Ten Hag terminou a época passada ganhando um título tão importante como o da Taça de Inglaterra, ainda para mais conseguindo-o perante o todo-poderoso Manchester City.
Tudo isso fez com que o treinador holandês tivesse iniciado a época (o que se revelou um erro), mas é indesmentível que trouxe um título prestigiante para as vitrinas do clube.
Claro está que Amorim sabia que ia demorar tempo para criar uma identidade de jogo e para a equipa começar a explanar as suas ideias no terreno de jogo.
Mas num clube como o Manchester United, o fator tempo é algo que tem um peso ainda maior do que ao comando do Sporting. Apesar dos seus fervorosos adeptos gostarem de ver a sua equipa jogar um bom futebol (algo que seguramente irão ver com a equipa a ser treinada por Amorim), o que sempre prevalecerá são os resultados desportivos, e esses teimam em não aparecer.
Nos últimos dez jogos, o Manchester United perdeu seis, sendo que perdeu três (!) vezes consecutivas em Old Trafford perante os seus adeptos contra adversários de dimensão inferior à da equipa treinada pelo técnico português. Essas derrotas foram contra Nottingham Forest (a grande sensação do campeonato, superiormente treinada pelo português Nuno Espírito Santo), Bournemouth (numa lição de futebol dada pelo treinador espanhol Andoni Iraola e um humilhante 0-3 como resultado final) e contra o Newcastle.
Nesse jogo contra o Newcastle, ficou bem patente a intransigência e obstinação de Rúben Amorim com a sua ideia de jogo.
Mal o onze inicial foi anunciado, vários comentadores e a generalidade dos seus adeptos devem ter levado as mãos à cabeça quando viram de que forma Amorim decidia escalar a sua equipa contra uma das linhas médias mais intensas, sólidas e consistentes da Premier League.
Foi um ato absolutamente suicida colocar Eriksen e Casemiro para tentarem controlar um meio-campo do Newcastle formado por Tonali, Joelinton e Bruno Guimarães. Estes três jogadores têm uma grande inteligência de movimentação, uma grande agressividade com e sem bola e não param um segundo durante todo o jogo, ao passo que Eriksen e Casemiro já não conseguem acompanhar este ritmo tão frenético imposto por um meio-campo desta qualidade e intensidade.
O resultado final (0-2) é bastante lisonjeiro, mas esta escalação inicial deixou a nu as carências de ambos, acima de tudo as decisões erróneas do técnico português.
Houve um momento no qual o próprio Amorim percebeu imediatamente que tinha errado e fez sair o holandês Zirkzee (que foi colocado surpreendentemente numa das alas do ataque da equipa inglesa) pouco depois da meia-hora de jogo. Aos 20 minutos de jogo, a equipa já perdia por 2-0 e o técnico português teve mesmo que emendar a mão e tomar essa decisão tão drástica quanto controversa.
Naquele instante, Amorim assumia a falha rotunda na estratégia que tinha delineado para esse jogo.
O jogo com o Newcastle foi apenas uma representação do que tem sido para já a curta passagem de Rúben Amorim ao serviço do Manchester United.
O plantel não lhe permite jogar da maneira que ele tanto gosta, mas um grande treinador também tem que saber ser flexível e adaptar as suas ideias aos recursos de que dispõe.
Caros leitores, somos igualmente conscientes de que a generalidade dos jogadores de futebol são egoístas. A não utilização de Marcus Rashford (por motivos disciplinares e cuja saída do clube é iminente) e a pouca utilização de Garnacho, debilitam muito a equipa em termos ofensivos. Contudo, é uma decisão com a qual concordo, porque a disciplina e a liderança são fundamentais numa equipa de futebol, que é um conjunto de egos em prol de um objetivo comum.
O Manchester United está atualmente num vergonhoso 13.º lugar na Premier League e obviamente que os adeptos não estão nem podem estar satisfeitos.
Nessa sequência de dez jogos, o Manchester United conseguiu uma vitória bastante meritória no terreno do Manchester City (equipa que se encontrava numa fase péssima). Porém, essa vitória trouxe um resultado bastante enganador, ao ser conseguida essencialmente fruto da instabilidade da equipa de Pep Guardiola (que deixou de saber gerir e controlar os jogos como o fazia anteriormente) e não tanto com base numa reação épica assente numa grande qualidade de jogo da equipa do Manchester United.
No mês de Dezembro, não há praticamente tempo para treinar. Sucedem-se os jogos de três em três dias. É necessário ser-se pragmático, rodar a equipa, mas esta deve ser feita de forma inteligente e sempre tendo em conta o adversário que se vai defrontar.
Alinhar um esquema de três centrais, independentemente do adversário, não tem lógica absolutamente nenhuma. Optar por um meio-campo técnico ao enfrentar um meio-campo de combate, também expõe demasiado a equipa a estes constantes desaires.
No último jogo, Amorim emendou a mão para jogar contra o seu histórico rival Liverpool (provavelmente a equipa em melhor forma da atualidade a nível mundial). Fez voltar a dupla Ugarte e Mainoo ao meio-campo e a equipa foi necessariamente mais consistente e conseguiu controlar minimamente as investidas de uma equipa do Liverpool, que se apresentou muitos furos abaixo daquilo que pode produzir.
O que muitos projetavam como sendo uma goleada por números bem expressivos por parte de um Liverpool (até porque o Manchester United vinha duma série de quatro derrotas consecutivas para o campeonato) insaciável, saldou-se num empate a duas bolas.
O resultado até poderia ter sido mais uma vitória épica dos Red Devils caso Maguire não falhasse de forma escandalosa uma oportunidade com a baliza praticamente vazia no último minuto de descontos.
Continuo crente de que Rúben Amorim é o homem certo para conduzir o Manchester United ao topo do futebol inglês e voltar posteriormente a ganhar dimensão internacional. Contudo, para isso é necessário que consiga estabelecer um equilíbrio entre as suas convicções e o facto de estar num dos maiores clubes do mundo, que se encontra atualmente sedento de títulos.
Se e quando o conseguir, estou convencido de que Amorim virará um ídolo em Manchester. Se continuar a ser teimoso e pouco flexível, a sua estadia pode ser bem mais curta do que almeja.